DICA DE FILME ("Adivinhe que vem para Jantar")

 Dica de Filme


Título: Adivinhe quem vem para Jantar
Ano de lançamento: 1968
Direção: Stanley Kramer



O racismo (velado ou explícito) em várias esferas sociais (até onde menos se espera)

Convenhamos: o racismo (ainda) é uma realidade bem palpável nos dias atuais. Imaginemos, então, como não era há mais de 50 anos atrás, especialmente, nos EUA, onde os direitos civis da população negra ainda era uma luta pela dignidade mais básica, com conflitos constantes, e a presença de líderes como Martin Luther King e Malcolm X. 

Nesse ambiente de lutas e conflitos constantes, tinha um astro de Hollywood que havia quebrado paradigmas um tempo atrás: Sidney Poitier. Ele já havia ganho o cobiçado Oscar de melhor ator, e, consequentemente, incomodava com o fato de ser um dos profissionais mais bem pagos da época, ao lado de Paul Newman, e mais alguns outros astros (brancos).  

Um incômodo que se refletiu no filme "Adivinhe quem vem para Jantar", em um ano onde a carreira de Poitier já estava consolidada, mas, o racismo ainda era uma constante no dia a dia, mesmo em meio a pessoas mais liberais, ou ainda entre as próprias pessoas negras. Foi, em linhas gerais, uma produção que colocou bastante o dedo na ferida, e que, incrivelmente, ainda ecoa nos dias atuais. Mas, como?

Simples: o roteiro (assinado por William Rose) não se limita a fazer críticas óbvias, retratando os racistas como monstros desumanizados. Sim, o racismo é nefasto, e quem o pratica, diretamente ou indiretamente, está cometendo uma grande falha, às vezes, sendo conivente com barbaridades. Mas, este filme mostra alguns detalhes um tanto desconcertantes e que tocam em pontos bem delicados. 




Por exemplo: os pais da jovem Joey são conhecidos por seus amigos como sendo pessoas progressistas, que lutam contra o racismo e qualquer tipo de discriminação. Porém, na prática, quando a filha leva seu namorado (John, um médico negro) para conhecê-los, não escondem o desconforto. Nisso, a fala da mãe em determinado momento é emblemática: "Nós ensinamos a nossa filha que ter qualquer tipo de preconceito é errado, mas, esquecemos de dizer que se apaixonar por um negro é um pouco demais". 

Mas, o roteiro não para por aí, pois, explora também o desconforto da empregada dos pais de Joey, falando logo no início quando conhece John que "a nossa gente deveria aprender a se pôr no seu lugar". Se essas alfinetadas, hoje em dia, podem causar certo constrangimento nas plateias, em 1968, então, a probabilidade disso ter atingindo em cheio muita gente foi enorme. 

Ou seja, o filme aborda o racismo, mas, não de uma maneira simplista ou caricata. Os racistas aqui não se vestem com indumentárias da Klu Klux Klan, nem entoam ofensas absurdas. Mas, incomodam-se com o fato de um homem negro ser tão bem sucedido socialmente (John, aos 37 anos, já conseguiu construir uma fama como poucos), e ter a "audácia" de se relacionar com uma mulher branca. 

A questão aqui está em ver os racistas (os velados, com verniz progressista e liberal) não como vilões perversos, mas sim, como pessoas comuns, que até podem ter suas razões para se preocuparem com a filha, contudo, não deixam de ser preconceituosos por isso. Essa visão equilibrada, sutilmente lúcida e crítica, e humanizada da situação é certamente um dos pontos altos do filme. 




Porém, além de ter um baita roteiro, que pega na veia em muitos assuntos (ainda hoje) incômodos, "Adivinhe quem vem para o Jantar" se vale de um elenco afiadíssimo, a começar pelo próprio Poitier,. que intercala momentos de desconforto, timidez e imposição. A conversa com o pai, já no final do final do filme, é um dos pontos altos de uma atuação verdadeiramente excelente. 

Katharine Hepburn empresta à sua personagem (Christina, a mãe de Joey) uma linda composição, que vei crescendo e amadurecendo à medida que o filme se passa. Ao mesmo tempo, Spencer Tracy, como Matt, o pai de Joey, consegue fazer um desenvolvimento de personagem muito interessante ao longo da história. Katharine Houghton, que interpreta Joey, está muito bem como alguém que parece ser muito ingênua, mas, que se mostra mais entendida de certos assuntos do que muitos ali. 

Há também o simpático Cecil Kellaway, que interpreta um monsenhor, amigo dos pais de Joey, que se mostra até mais progressista do que Christina e Matt. Beah Richards e Roy Glenn, que fazem os pais de John, aparecem já no terceiro ato, mas, conseguem deixar a sua marca. E Isabel Sanford, como a empregada Tillie, sai-se bem ao representar aquela pessoa que tendo passado por situações racistas, internalizou isso no seu trato com outros que sejam negros. 

A própria direção de Stanley Kramer é muito precisa, não perdendo tempo com situações que talvez não agregassem à trama. Com isso, apenas baseadas nos diálogos e reações dos personagens, o filme vai criando uma situação de tensão e envolvimento, cujo final é, até certo ponto, imprevisível. E, no final, todos esses elementos se fecham de maneira brilhante, concisa e poderosa. 




"Adivinhe quem vem para Jantar" é um filme que toca em assuntos bastante delicados, só que de uma maneira pouco usual (até para os dias atuais). Um tipo de produção que vai continuar incomodando enquanto existir o racismo, em todos as suas vertentes e em todos os seu níveis. Um dos seus grandes méritos é mostrar que absolutamente ninguém está livre de reproduzir pensamentos e atitudes que até então supunha execrar. 

Se isso já soa moderno e provocativo hoje, então, podemos cravar, sem medo, que "Adivinhe quem vem para o Jantar" é um clássico, não é mesmo?



 Nota: 10/10

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