Dica de filme ("C'mon C'mon")

 Dica de Filme


Título: C'mon C'mon
Ano de lançamento: 2021
Direção: 
Mike Mills



Belíssima jornada de aprendizados, onde crianças e adolescentes têm um pouco de voz a respeito das situações mais complicadas da vida

Quando alguém não possui maturidade, ou tenha cometido alguma bobagem, a primeira reação é taxar, de forma pejorativa, aquela pessoa de infantilizada. Mas, é justo falar dessa forma? Será que crianças e jovens, a despeito da sua falta de experiência, são tão alheios à realidade que os cerca, ou muitos têm coisas mais certeiras e profundas a dizer do que muitos adultos... hummm... "experientes"?

E é mais ou menos isso o que questiona o novo filme do Mike Mills, intitulado "C'mon C'mon", onde vemos Johnny, um homem que trabalha entrevistando crianças e jovens em geral, cujas perguntas giram em torno de questões como: "O que você esperar do futuro?" ou "O que você diria para os adultos melhorarem o mundo?". 

Ao mesmo tempo, é interessante que Johnny lidará, de uma hora para outra, com o seu sobrinho, um garoto um tanto excêntrico e mimado, mas, com uma inteligência e percepção das coisas bem agudas. Isso acabará sendo uma oportunidade pra traçar um paralelo entre essa convivência com o menino, e o que ele ouve constantemente nas entrevistas, o que também irá reverberar na sua vida pessoal, especialmente, no trato com a irmã. 




O filme, de maneira muito sensível, dá voz a personagens que geralmente são relegados a coadjuvantes com comportamentos padronizados. Jesse, sobrinho de Johnny, por exemplo, comporta-se como a criança que é, mas, não é raro que ele provoque o tio com questionamentos a respeito de como ele lida com as pessoas ao seu redor e com a sua vida em geral. Melhor: essa interação entre ambos soa natural, sem forçar a mão. 

Em paralelo, são mostradas as entrevistas feitas por Johnny (e que muito provavelmente não são feitas com atores interpretando personagens, e sim, crianças e adolescentes que a produção pediu pra falarem de seus reais anseios, medos, frustrações e desejos). Interessante notar que essas partes podem até parecer desconexas com a trama principal, porém, acabam falando tanto do íntimo dos entrevistados, quanto do entrevistador. 

Johnny trata muito com pessoas muito jovens nesses momentos, mas, parece ter bastante dificuldade de lidar com alguém da mesma idade de seus entrevistados em uma convivência mais prolongada, onde seus próprios problemas pessoais virão à tona, e irão acabar servindo como uma forma de aprendizado, tanto pra ele, quanto para o menino. 




Ou seja, neste filme temos mais um estudo de personagem, onde há um mestre e um discípulo, e não necessariamente seguindo o clichê de que um é o mais velho, e o outro, mais jovem. É verdade que essa relação entre duas personalidades conflitantes soa batida nos dias de hoje, mas, quando o roteiro é bem estruturado, até esse padrão de história consegue mostrar coisas novas e interessantes. 

Tudo bem que, de início, o filme demora um pouco para amarrar as questões que pretende abordar, com algumas cenas sendo somente jogadas, algumas sem contexto. No entanto, aos poucos, tudo vai fazendo sentindo, e aquela colcha de retalhos vai se consolidando para explorar de maneira muito bonita uma convivência repleta de aprendizados, e algumas ótimas reflexões (muitas vindas justamente daqueles considerados imaturos pelo senso comum). 

Joaquim Phoenix, como sempre, está ótimo, mesmo que não tenha nenhum momento extraordinário em sua atuação. Já o pequeno Woody Norman soa tão natural ao lado do veterano ator, que chega a ser desconcertante. Sua interpretação é espontânea a tal ponto que consegue ser simples e profunda ao mesmo tempo. O que acaba gerando uma excelente química entre ele e Phoenix. 

No mais, a direção de Mills é competente e a fotografia em preto e branco, provavelmente para denotar a desesperança do personagem do Johnny diante daqueles relatos, muitas vezes, tão duros, casa bem com a proposta da história. 



"C'mon C'mon" é um filme, acima de tudo, bonito, fazendo pensar questões da vida sem forçar nada. Na verdade, quase tudo aqui é incomodamente parecido com a vida real, desde conflitos familiares até questões sociais mais amplas, como imigração, guerras, racismo, e por aí vai. E todas essas indagações feitas por crianças. 

Em um mundo onde até os adultos mais experientes se sentem perdidos, a história de convivência entre Johnny e seu sobrinho Jesse acaba sendo muito significativa. E até desafiadora.



Nota: 8,5/10



Comentários