Dica de Filme ("Está Tudo Bem")

 Dica de Filme


Título: Está Tudo Bem
Ano de lançamento: 2021
Direção: François Ozon



Uma complicada partida misturada com complicadas relações pessoais

A vida pode ser comparada a uma colcha de retalhos: algumas vezes, é bem "costurada", e outras (a maioria, na verdade), nem tanto. Ao longo de uma trajetória de vida, as interações com as pessoas ao redor podem ser difíceis de digerir, principalmente em situações limite. É o caso de uma doença grave em uma pessoa de idade avançada, que a impede de viver com um mínimo de dignidade. É quando afloram questões mais íntimas, muitas de cunho familiar, difíceis de administrar (e até aceitar)

O filme "Está Tudo Bem", baseado no romance de Emmanuèle Bernheim, aborda isso tudo e um pouco mais. Na verdade, o título da produção pode soar um tanto irônico, especialmente quando o espectador começa a assistir ao longa, e presencia situações tensas e dramáticas bem fortes. Mas, acreditem: ao final, não há ironia; apenas certo conforto de se ter feito tudo o que podia.  

Acompanhamos a vida (ou seria "quase" vida?) de André, um senhor de 85 anos, que sofre um AVC, e passa a ter limitações de todos os tipos, sendo amparado, principalmente, pela sua filha Emmanuèle. Às vezes, a outra filha, Pascale, ajuda. Sua esposa está com Parkinson, e, por algum motivo, nutre um rancor profundo por ele. Há também outro personagem estranho nessa história, Gérard, que, a princípio, não entendemos qual a relação dele com André. 

Todos esses personagens circundam um homem que, com seus defeitos e qualidades, sente-se no ocaso da vida, expondo ainda mais suas fragilidades e sua personalidade complexa, cheia de atritos com os outros (em particular, com Emmanuèle). 




O filme investe em momentos de intensa dramaticidade, mas, sabe, na hora certa, dar leveza em alguns momentos bem pontuais (isso muito por conta do jeito brincalhão de André). Mas, o roteiro também não se furta de mostrar como ele pode ser cruel e até abusivo, especialmente com quem está mais próximo. Esses aspectos são interessantes, pois, expõem muito bem a humanidade de alguém que errou e acertou muito na vida, e que não precisa ser necessariamente uma coisa ou outra. 

Os personagens aqui parecem querem sempre dizer alguma coisa, expor algum sentimento não dito, confrontar as circunstâncias. Até mesmo André, em suas atuais limitações físicas, tenta o enfrentamento dessa situação, mesmo que isso gere problemas para seus entes queridos. Não é fácil, especialmente quando envereda por decisões complicadas. Inclusive, nesse sentido, o filme também não se esquiva de tentar, o máximo que pode, falar de vários assuntos, mesmo que de maneira contida, às vezes. 

O roteiro sabe trabalhar com conflitos familiares de uma forma que, mesmo que soe bastante dolorosa (especialmente para o espectador que passou por questões similares na vida), ainda assim, faz de uma maneira sóbria, sem exageros, e mostrando as complexidades de cada um ali. Pode parecer fácil de fazer, mas, apostar nesse tom mais objetivo acaba sendo até mais difícil do que se possa imaginar, ainda mais quando temas tabus são tratados na trama sem grandes cerimônias. 



O "está tudo bem" do título acaba sendo também uma espécie de provocação, tanto aos personagens, quanto a nós, espectadores dessa história. Porque, não raro, sempre queremos que tudo estejam bem, como o planejado, e quando as coisas saem dos eixos, guardamos a raiva e a frustração, e dizemos aos outros: "Está tudo bem" (mesmo que não esteja nada bem). 

O estudo de personagem aqui, portanto, acaba ampliando seus horizontes, resvalando em convenções que muitos de nós temos, e questionando não só a vida, mas, a morte também; não só a tristeza, mas, a alegria também. E tudo muito bem dosado, por meio de uma cinematografia concisa, e uma direção que até por vezes se permite fazer algo diferente em sua narrativa, como, por exemplo, um posicionamento ou movimentação de câmera fora do padrão.

As atuações estão todas ótimas, com destaque especial para Sophie Marceau, que faz uma Emmanuèle com muitos sentimentos negativos contidos, a ponto de explodir, e André Dussollier, cujo personagem de mesmo nome provoca sensações ambíguas no espectador, ora de raiva, ora de pena. Belíssimo trabalho desse ator, por sinal. 


"Está Tudo Bem" é uma análise muito boa sobre como encaramos os problemas da vida e uma possível "solução" na morte, e em como nos recusamos a entender quando uma coisa é irremediável. São temas complicados, mas, que o filme não se esquiva deles, e os trata de maneira clara, sem neuras. Assim como encarar a existência pode ser algo complicado, doloroso, mas, essencial. 


Nota: 8,5/10

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