Dica de filme ("Um Herói")

 Dica de Filme


Título: Um Herói
Ano de lançamento: 2021
Direção: 
Asghar Farhadi



Humilhados e Ofendidos

Asghar Farhadi é um diretor que sabe retratar bem o cotidiano e seus dilemas. Mais precisamente: do quanto situações do dia a dia podem fugir ao controle, com sucessivos problemas aparecendo, deixando as situações cada vez mais insuportáveis. Alguns dos seus melhores trabalhos mostram questões triviais, banais até, mas, vão ganhando mais importância ao longo da história, aprisionando seus personagens em um vórtice de problemas em que eles não têm mais controle, e tudo tende a piorar. 

Foi assim com os excelentes "A Separação", "O Apartamento" e este "Um Herói". 

Neste último, inclusive, a narrativa consegue construir tensão até em momentos mais, aparentemente tranquilos, porém, que revelam uma escalada de problemas que, muito provavelmente, vai explodir lá na frente. Farhadi, com isso, não parece estar interessado em histórias extremamente mirabolantes, com grandes reviravoltas, e sim, em mostrar como pessoas comuns, por erros igualmente comuns, podem se ver imersas em problemas cada vez mais insolúveis, onde sua honra e honestidade serão colocada à prova a todo o momento. 



O "herói" desta história é Rahim, um homem que caiu em desgraça após ser preso devido a uma dívida. Os motivos dessa dívida e os meandros e detalhes dela vão sendo revelados aos poucos, da mesma forma que, na ânsia de pegar o que deve, Rahim, envereda-se em uma teia de mentiras que vão crescendo e que tornarão sua situação mais difícil, especialmente em suas relações familiares. 

Ao mesmo tempo, apesar dos eventuais erros cometidos, o protagonista também se vê constantemente humilhado. Por isso, quando é alçado à condição de herói pela mídia por algum tempo, sente-se mais valorizado, e compelido a continuar a propagar uma série de mentiras. Nesse aspecto, é interessante notar como o roteiro não santifica, nem demoniza o personagem, já que muitas vezes ele só leva a farsa adiante por ser "obrigado" tal, já que a perspectiva para o futuro era a pior possível. 

Portanto, a trama não cai na armadilha de fazer julgamentos morais, ou qualquer coisa do tipo, até mesmo naquele personagem que poderia ser facilmente enquadrado em outro filme mais clichê como o "vilão" da história: o credor. Não. O Filme segue uma vertente mais naturalista, seguindo um caminho bem pé no chão, mostrando, inclusive, como as instituições (a penitenciária onde Rahim está preso e uma ONG) se aproveitam da história do "herói" em prol de publicidade e propaganda. 

Ou seja, a trama não só mostra um homem comum tendo que lidar com os problemas pessoais, mas, também virando um joguete nas mãos de quem quer se aproveitar dele, nem que pra isso tenham que expor seu filho, um garoto com problemas de fala, e que protagoniza um dos momentos mais incômodos do filme, já perto do final. E é esse um dos grandes méritos de "Um Herói": mostrar que, quanto mais desgraçadas e humilhadas as pessoas estão, mais facilmente manipuladas elas podem ser. 



Impressionante como Farhadi tem pleno domínio narrativo se valendo de pequenas coisas. Uma câmera na mão dando um tom mais natural à história, um gesto de um ou outro personagem que (indo numa crescente) culmina em algo desproporcional, e por aí vai. Cada instante no filme parece algo pronto a gerar uma situação pior do que a anterior, e só nos poucos minutos finais que a produção reserve certa calmaria (uma melancólica calmaria, diga-se). 

Além da direção precisa de Farhadi, as atuações seguem esse padrão mais naturalista, onde, muitas vezes, parece que estamos assistindo a um documentário ou coisa parecida. Ninguém aparenta está atuando ali, tamanha a imersão que os atores encarnam seus personagens, ora com alegria ingênua, ora com cinismo, ora com o desespero que cada cena exige. Um trabalho de ótimas interpretações, sem qualquer tipo de exagero. 

E, claro, temos o roteiro que não busca por soluções fáceis, nem acalentadoras para o espectador, que se vê tão tenso e angustiado quanto Rahim e os que o cercam. As situações são muito bem construídas, construindo de forma muito orgânica o tema principal (as diversas humilhações às quais um homem acaba passando), mas também versando com assuntos subjacentes a esse tema, como é o caso da busca incessante da mídia e das instituições em geral por sensacionalismo. 



"Um Herói" é a busca de um um homem imperfeito (como todos nós) por um pouco de dignidade, mas, que lhe é negada constantemente. No final, Rahim não é necessariamente um "herói", mas, o filme aponta para alguns possíveis "vilões", entre eles, uma cultura e um sistema que não dão chance para um homem se reerguer de suas desgraças pessoais, forçando-o a uma condição cada vez mais humilhante. Diante disso, ninguém consegue ser herói, e, às vezes, nem sequer, humano. 


 Nota: 8,5/10

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