Dica de série ("Euphoria" - 2ª temporada)

Dica de Série


Título: Euphoria (2ª temporada)
Ano de lançamento: 2022
Direção e criação: Sam Levinson



Mesmo com um início cambaleante, a segunda temporada de "Euphoria" se consagra como uma obra intensa, que vai do sutil ao visceral de forma bem contundente

Os jovens e seus problemas com drogas já foram explorados das mais diversas formas no audiovisual, seja na porralouquice de um "Transpotting", seja pela perturbadora descida ao inferno que esse mundo pode causar, como bem mostrado em "Réquiem para um Sonho". Faltava, no entanto, um produto que explorasse essa questão sob o prisma dessa nova geração, a chamada geração Z, tão incompreendida, quanto perdida, em meio a o novo e (supostamente) maravilhoso mundo digital. 

E essa tarefa coube à série "Euphoria", produção um tanto barra-pesada da HBO, mas, que consegue não só dialogar bem com essa geração, como não faz julgamentos de valor rasos e precipitados de seus personagens, por mais problemáticos que sejam. Ao contrário: a partir do momento em que vamos entrando nos meandros da vida íntima e pessoal de cada jovem de "Euphoria", descobrimos novas camadas e vemos que a questão pode ser mais complicada, e muitas vezes, provocada, pelos adultos que ali se encontram. 

Se na primeira temporada a série se focou em construir aqueles personagens de modo a amarmos ou odiarmos alguns, e se nos dois episódios especiais que vieram depois, pudemos entender melhor Rue e Jules como pessoas dotadas de muita complexidade, na segunda temporada de "Euphoria" somos provocados o tempo todo a rever nossos julgamentos morais em relação a um ou outro personagem. Isso fez com que a série evoluísse nitidamente, mostrando um avanço importante na história, e novas possibilidades para a trama. 

Mas, o começo dessa temporada não foi lá muito promissor. 




A primeira sequência do primeiro episódio dessa nova temporada, por exemplo, parece ser um tanto gratuita, que, sob a desculpa de mostrar a "origem" dos personagens Fezco e Ashtray, acaba descambando pra cenas um tanto gratuitas. O problema é que essas cenas gratuitas (leia-se: de sexo e nudez) vão ser recorrentes nos quatro primeiros episódios. Sim, os dilemas continuam lá, e Sam Levinson, seja na condução visual por meio da direção, seja no texto afiado, continua a pontuar assuntos importantes sem moralismos, Mas, em alguns momentos, pesou a mão e passou do ponto. 

Ainda assim, os quatro primeiros episódios constroem muito bem histórias que vão reverberar mais lá na frente, abordando temas complicados que vão além do vício em drogas, como relacionamentos abusivos, por exemplo. Ao mesmo tempo, a série consegue fazer "brincadeiras narrativas" bem interessantes, como quando vemos no quarto episódio como Rue enxerga Jules sob os mais diversos primas. É engraçado e bonito ao mesmo tempo. 

Ou seja, mesmo quando pesa a mão em alguns momentos, Levinson ainda consegue construir algo que nos prenda aqueles personagens e nos importemos com eles. E, ainda assim, essa temporada faz questão de expor também as falhas e fragilidades de cada personagem, especialmente quando envereda pelos traumas causados por sentimentos reprimidos. Ou seja, "Euphoria", até o momento, vem se mostrando como um intenso (por vezes, angustiante) panorama das relações humanas, em que a questão das drogas está presente, mas, não é mote principal. 

Ainda assim, nesses quatro primeiros episódios parece estar "faltando alguma coisa". 




É quando vem o quinto episódio, e, como numa guinada na execução, Levinson deixa as cenas gratuitas pra trás, e se foca inteiramente em contar uma história (ou melhor: várias histórias. E que histórias!). É quando "Euphoria" mostra a que veio, com sequências de intensidade dramática nem um pouco forçadas de tirar o chapéu (e de se emocionar). O sétimo e o oitavo episódios, por exemplo, faz uso da metalinguagem de uma maneira que, mesmo não sendo sutil, agrega muito valor narrativo à trama, expondo os personagens aos próprios personagens. Como eles são. Sem filtros. 

Nisso, a série se concentra em tratar de questões mais profundas, sobre problemas de relacionamento que surgem no decorrer da vida, especialmente, tocando num ponto delicado: a paternidade. Ou melhor: a falta de um pai e suas consequências para os filhos. E isso fica bem claro no último episódio dessa temporada, onde as personagens Rue e Lexi brilham, e meio que conduzem o amalgama de sensações que vivenciamos ali. E, sem contar que a série ainda introduz novos personagens excelentes, como é o caso de Elliot, que dá mais camadas ainda para a relação entre Rue e Jules.

Por sinal, além da direção certeira e criativa de Levinson e de seu texto ora sensível, ora mordaz, é preciso citar que o elenco está fenomenal. Todos entregam o que é preciso para desenvolver seus personagens, e um pouco mais. Porém, ninguém bate Zendaya. É impressionante o que essa menina faz aqui, indo da comédia ao drama num piscar de olhos, e com muita propriedade. Sem dúvida, uma das melhores atrizes jovens dessa geração. 




Mesmo que não tenha começado essa temporada em sua melhor forma, "Euphoria" ainda continua sendo contundente e fascinante ao mostra uma geração de jovens sem filtros (ou melhor, às vezes, com muitos "filtros", se é que entendem?) sem maniqueísmos ou moralismos tacanhos, e apontando também que os pais e avôs desses jovens podem ser tão ou mais problemáticos do que eles. Com isso, a série fala de assuntos polêmicos sem sensacionalismo algum. Até porque, de um modo geral, há muita delicadeza e sensibilidade aqui para que tudo isso caia no lugar comum. 

Que Levinson comece uma futura terceira temporada menos preocupado em chocar com cenas de sexo e nudez, e se foque mais na história e no drama de seus personagens. Os quatro últimos episódios dessa temporada mostraram que tem material de sobra para a série ir bem mais longe. 


Nota: 8,5/10


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