Dica de Filme ("Jogo do Poder")

 Dica de Filme


Título: Jogo do Poder
Ano de lançamento: 2019
Direção: 
Costa-Gavras


Negócios são negócios (mesmo que isso signifique condenar um país inteiro a uma crise humanitária)

Costa-Gavras faz cinema militante. E isso está longe de ser demérito, seja por suas ideias sempre maduras e coerentes, seja por conta do domínio narrativo que o cineasta quase sempre emprega com maestria em muitos de seus filmes (mais fortemente nos clássicos "Z" e "Estado de Sítio"). 

Só que fazia alguns anos que Costa-Gavras não filmava em sua terra natal (a Grécia), e curiosamente ao se voltar para os problemas sociais e econômicos de seu país, ele acabou fazendo um dos seus filmes mais cosmopolitas. E, isso porque "Jogo do Poder", seu mais recente trabalho, trata de uma temática que pra uns pode parecer chata e pedante, mas, que determina a sobrevivência de países inteiros. 

Mais especificamente: as crises econômicas provocadas por empréstimos a organizações internacionais, provocando crises sociais internas em diversas nações, que, sem ter pra onde correr, submetem-se a mais acordos escusos que irão aumentar suas dívidas e fazer a população pagar caro. 

Ou seja, se isso parece tão próximo de um lugar como o Brasil é porque esse problema se tornou universal, e com "Jogo do Poder", Costa-Gravas consegue esmiuçar de maneira contundente e inquietante os meandros de toda podridão política que envolve renegociações de dívidas, acordos unilaterais, e arrochos cada vez mais incontrolável para os mais pobres. 



Aqui, acompanhamos a saga de Yanis Varoufakis, Ministro das Finanças do recém-eleito governo grego, às voltas com encontros em conferências e tentativas de acordos para renegociar a dívida do seu país (especialmente, com os bancos alemães), no que ele enfrenta total e implacável resistência de raposas velhas do meio (como o premiê alemão Wolfgang Schäuble). 

Mesmo que o assunto possa parecer desinteressante aos olhares mais leigos, Costa-Gavras consegue dar um ar de thriller político quase tragicômico, onde sua câmera não para um minuto. Nós, enquanto espectadores, ficamos cada vez mais envolvidos naquele universo de negociatas, e, mesmo que não entendamos tudo o que está sendo dito ali, a forma de mostrar cada cena e cada diálogo passa toda a angústia que Yanis sente, especialmente em sua sensação de impotência. 

Quanto mais o tempo passa, mais vamos nos embrenhando em um jogo sórdido por poder, onde as cartas já estão marcadas, e não há muito o que fazer. Não importa tanto o idealismo, por vezes, quase pueril de Yanis e do presidente Jeroen Dijsselbloem. Mesmo com princípios de esquerda (jocosamente taxados pela mídia grega como comunistas), concessões precisam ser feitas. 



O filme é praticamente uma análise de um ideal inalcançável no mundo moderno com uma realidade cujo preço pelo sobrevivência é a total subserviência. Não à toa, em uma determina cena, Yanis e Jeroen estão em um carro sorrindo para o público, enquanto falam que logo mais essa mesma população irá odiá-los (e tudo sem perderem o sorriso no rosto). 

Mesmo que alguns personagens pareçam vilanescos demais, e outros "inocentes" em demasia, isso não tira o brilhantismo da narrativa (envolvente, mesmo tratando de um tema delicado e complexo), e do textos, que traz à tona denúncias muito bem fundamentadas às instituições financeiras europeias (e, consequentemente, mundiais), e como isso afeta a população de países pobres ou emergentes. 

E esses aspectos são ainda mais destacado pelas excelentes atuações, em especial, Christos Loulis, que faz um Yanis forte, convicto, e à beira de um ataque de nervos. Sua interpretação intensa ajuda a dar o tom denuncista, e por vezes mordaz, à trama. 


Depois de décadas de cinema militante, Costa-Gavras prova que não perdeu a mão, e que ainda consegue dizer coisas relevantes sobre um mundo complicado, onde idealismo e realidade se chocam a todo o momento, e especialmente em um tempo onde a manutenção e salvação economia estão sempre acima da dignidade humana. 

Não à toa, um dos principais impasses no filme é quando instituições como o FMI e o Banco Central Europeu se recusam a assinar um acordo que tenha a expressão: "crise humanitária". 

Nada mais significativo.


Nota: 9/10

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