Dica de Filme ("Cisne Negro")

 Dica de Filme


Título: Cisne Negro
Ano de lançamento: 2010
Direção: 
Darren Aronofsky



Quando o que temos de pior emerge em decorrência de sucessivos abusos

Seria o ser humano bom por natureza, e a sociedade o corrompe, ou a perversidade já é algo inato às pessoas, e basta um "empurrãozinho" para que o que de pior temos venha à tona? Por anos, esse debate filosófico é feito, e mesmo que não se tenha chegado a um consenso, experiências práticas já mostraram que as pessoas, expostas constantemente a estresses e abusos de diversos tipos, podem externar atitudes pra lá de violentas. 

E é mais ou menos isso o que encontramos em "Cisne Negro". 

A protagonista, Nina Sayers é mostrada sempre como uma pessoas amável e compreensiva com as pessoas ao redor. Não parece ser forçado, e sim, algo genuíno de sua parte. Ao mesmo tempo, sofre nas mãos de uma mãe muitíssimo controladora (chegando às raias da insanidade), e na profissão de bailarina de uma grande companhia, é vez ou outra pressionada e assediada por colegas e superiores. Só que aos poucos essa postura dócil vai mudando, especialmente quando precisa protagonizar "O Lago dos Cines", em especial, a faceta do cisne negro na peça. 




Falando assim, parece até que a simbologia do filme é simplória e formuláica, mas, o cineasta Darren Aronofsky, conhecido por extrair toda a dramaticidade possível das coisas mundanas, eleva essa questão do florescer de nossos lado mais obscuro e perverso de uma maneira muito intensa, e com imagens bem mais impactantes do que se pode imaginar. 

Uma dos grandes méritos aqui é o filme não se alongar mais do que deveria, e ao mais tempo ir desenvolvendo o "despertar" do cisne negro em Nina aos poucos. Ela vai sofrendo estresses, abusos e pequenas violências cotidianas, e vamos acompanhando isso com o desconforto que isso gera. A trama foge do simplismo, não dizendo, por exemplo, que as pessoas cometem maldades porque sofreram algo de terrível, mas, que esse tipo de situação, de certa forma, destroi o psicológico de quem sofre a violência, e isso pode sim gerar uma espiral de violências. 

O enredo também se foca (e muito bem) na obsessão pela perfeição, isso seja no trabalho, na arte ou simplesmente na vida social. São tantas cobranças, muitas vezes, irreais, que só conseguimos atingir qualquer patamar de "perfeição" quando nos anulamos, e passamos a fazer tudo o que, aparentemente, abominávamos no passado. Ou esse lado mais obscuro sempre esteve em nós?

O filme, felizmente, não dá respostas. Apenas expõe, de maneira brilhante, a transformação de um ser em outro completamente diferente. Nisso, a mpagica do cinema se faz presente, já que na cabeça cada vez mais perturbada de Nina essa transformação toma ares quase "literais", como se fosse uma metamorfose em um filme de terror. O ser humano virando monstro, e no final, ambos mesclados, unidos num só. 




E essa quase história de terror perpassa por meandros muito delicados, que não chegam a ser sádicos em tela, mas, que incomodam muito, como p assédio constante que Nina sofre do chefe da companhia de teatro, o Thomas Leroy. Ao contrário de "O Diabo Veste Prada" e "Whiplash", que praticamente transformam o abuso em uma forma de obter a perfeição profissional ou artística, aqui em "Cisne Negro" o buraco é mais embaixo, e mesmo que Nina, ao final, possa se metamorfosear em na criatura do título do filme, o preço será alto (mesmo que sob a ilusão da fama). 

Está aí outro ponto interessante que o filme questiona: o que é a fama? Uma sucessão de sacrifícios físicos e psicológicos? O vale tudo de matar sua essência em prol do sucesso? Mesmo que não sejam questões muito explicitadas no roteiro, elas estão lá, provocando o tempo todo. Ao final, será que os prováveis aplausos valerão a pena? Fica a critério de cada um dar essa resposta, já que o roteiro é bem sagaz para não julgar a sua protagonista, apenas colocando-a nas situações mais limites possíveis até que "algo" morra e renasça nela. 

Para fazer uma personagem tão rica e complexa, a atriz precisaria estar à altura do desafio. E Natalie Portman consegue essa façanha. Desde o primeiro momento em que ela aparece, seus trejeitos são naturais de alguém que está constantemente sofrendo por dentro. Sua fisicalidade e seu olhar são impactantes em alguns momentos, e em outros, apenas reativas aquelas situações. Belíssimo trabalho de Portman, merecidamente premiada à época. Como diretor, Aronofsky é sempre criativo e desconcertante. A sequência final e a prova viva disso. 




"Cisne Negro", portanto, questiona nossas atitudes em face do sucesso, e os anseios que nutrimos em relação às cobranças de terceiros. Também indaga até que ponto abusos podem ser catalizadores de nossas personalidades mais violentas e controversas. Um estudo não de uma personagem apenas, e sim, de uma sociedade do espetáculo que faz tudo pela fama, e cuja palavra "sacrifício" é ditada por coachs constantemente. Mais provocativo do isso, impossível. 


Nota: 9/10


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