DICA DE FILME ("Nada de Novo no Front")

 Dica de Filme


Título: Nada de Novo no Front
Ano de lançamento: 2022
Direção:
 
Edward Berger



O peso imensurável da guerra nas trincheiras

Em 1928, era lançado o livro "Nada de Novo no Front", pelo escritor alemão Erich Maria Remarque. Quando ele tinha 18 anos, participou da Primeira Guerra Mundial, conferindo à sua obra uma veracidade tão palpável que podemos compará-la, por exemplo, ao que lemos em "Escritos da Casa Morta", de Dostoiévski, escrito com base em suas memórias da prisão. O livro de Remarque, por sua vez, apresentava a guerra de um ponto de vista que dispensava o heroico e o patriótico, e se concentrava nos dramas humanos daquelas pessoas que estavam ali, vivendo os horrores e as barbaridades constantes de um conflito que vitimou, no total, mais de 17 milhões de indivíduos. 

Não é à toa que "Nada de Novo no Front" foi banido da Alemanha nazista. Afinal, o livro apresentava uma visão bastante pessimista e pouco triunfalista do conflito. Pessimismo esse que encontramos com muita força nesta versão de 2022, que consegue ser mais brutal e angustiante que as anteriores (mesmo a versão de 1930, que ganhou o Oscar de Melhor Filme, seja, sem dúvida, um marco no cinema, e tenha bastante do intimismo que Remarque empregou em sua obra). 

O que diferencia essa longínqua adaptação desse novo filme é a perspectiva. Lá na década de 30 ainda não tinha eclodido a Segunda Grande Guerra, e o mundo ainda não tinha visto os horrores do nazismo e do fascismo. Hoje, por sua vez, não só sabemos o que aconteceu após o armistício alemão (rendição completa e sem poder de negociação após sua derrota na Primeira Guerra), como também estamos vendo muito negacionismo histórico, falando que o nazismo era de esquerda ou que o Holocausto nunca existiu, além de ideias nazistas e fascistas estarem reverberando até os dias atuais como ideologias seguidas por muitos. 

Por isso, a versão 2022 de "Nada de Novo no Front" parece ser tão urgente. 




Enquanto filme, este "Nada de Novo no Front" não poupa técnica para nos ambientar aos locais das trincheiras. A fotografia é fria, em tons azuis e cinzas na maior parte do tempo, como se estivéssemos em meio a uma névoa densa, que faz paralelo com a desorientação daqueles rapazes (todos jovens e inexperientes) em meio a um inferno. A trilha sonora é quase inexistente. Quando surge, ou é para pontuar os poucos momentos de "paz" daqueles personagens, ou é para acentuar o sentimento de desespero. É quando escutamos sons graves e batidas secas, como se estivéssemos assistindo a um filme de terror, e não de guerra. Quase como se um "monstro" estivesse à espreita. 

Narrativamente, o filme também se diferencia das versões anteriores por não se focar 100% do tempo nas trincheiras, mas, para mostrar também as negociações do armistício, fundamentais nos momentos finais do conflito. Em alguns casos, pode parecer que a história cortou abruptamente uma sequência do conflito para mostrar esses momentos mais "burocráticos", mas, acaba sendo essencial para expor o contraste de jovens morrendo de maneira estúpida nas trincheiras, com os "senhores da guerra" decidindo os termos da rendição e falando sobre temas vagos como "Deus, pátria, família e honra". 

Sim, pode não parecer, mas, um filme de guerra que se passa há mais de 100 anos, pode ter muito mais a nos dizer. 

Enquanto construção de personagens, esse "Nada de Novo no Front" consegue fazer nos afeiçoar de forma genuína a cada um dos poucos rapazes que têm mais espaço em tela. Sentimos a amizade deles, e também sofremos com as perdas. Na verdade, é tudo muito palpável, do carinho que cada um tem pelo outro, à sensação de sujeira em meio ao conflito, na chuva, na lama, na fuligem. Numa das cenas mais impactantes, quando um dos "protagonistas" entra em confronto físico com um dos soldados franceses, ali pelo meio da história, realmente conseguimos "estar lá", naquele momento desesperador (e imensamente triste). 




Essa versão de "Nada de Novo no Front" tem muitos méritos, e um deles é mostrar que a guerra não é essa coisa amorfa que a propaganda patriótica nos passa. Ela é feita de pessoas comuns, que, muitas vezes, não fazem ideia do que os espera, e quando percebem, já é tarde. Tão violento quanto os corpos despedaçados pelas explosões é o discurso vazio que conduz essas pessoas ao abatedouro. Não é à toa que em determinado momento, quando já eram centenas de milhares os mortos na Alemanha, um dos militares de alta patente diz: "Que mandem mais recrutas". Porque é assim que a guerra acaba sendo: pessoas com poder decidindo a vida e a morte dos "debaixo". 

Por sinal, o filme não economiza em violência. Em certos momentos, lembra aqueles trinta primeiros minutos de "O Resgate do Soldado Ryan", só que de uma maneira ainda mais crua. Isso porque a técnica aqui nunca é colocada acima do conteúdo principal, que é o drama humano, ao contrário de outros filmes recentes que abordaram temáticas de guerra, como "1917" e "Dunkirk". Não que um filme de guerra não possa impressionar por cenas incríveis de batalha, mas, quando se trata de um conflito que realmente existiu, a conexão mais intimista com o público, por meio de um viés humanista, é o que produz as melhores obras do gênero.

Esse "Nada de Novo no Front" tem cenas de batalha viscerais, tecnicamente impecáveis e bastante bem feitas. Mas, são poucas em se tratando de suas quase 2 horas e meia de duração. O que impera aqui são os dramas individuais, as tristezas, os anseios, os sonhos quebrados. Lembra um pouco o jeito de outro baita filme de guerra, "Glória Feita de Sangue", que tem um único (e impressionante, para a época) conflito mostrado em tela, mas, o restante do filme se debruça no drama de três homens presos e que estão prestes a ser fuzilados por deserção. Porque é isso o que a guerra é: uma grande batalha onde muitos perdem e pouquíssimos ganham. 




"Nada de Novo no Front", portanto, consegue ser uma excelente versão do livro de Remarque, ao mesmo tempo que resignifica a obra original para os tempos atuais, expondo os perigos de discursos vazios, e alienação de pessoas que continuam a ver graça e sentido em um conflito no qual você mata alguém que nem conhece. Muitas vezes, pelo fato de simplesmente "estar do outro lado". Mas, será que, no final, não estamos, numa guerra, do mesmo lado, passíveis de sermos mortos em uma trincheira enlameada? Sem heroísmo ou qualquer mínimo resquício de "honra"?

Um dos mais impactantes e reflexivos filmes de guerra desses últimos tempos. 



Nota: 9/10

Comentários

  1. Excelente dica como sempre! Na lista para apreciar no fim de semana.

    ResponderExcluir

Postar um comentário