Dica de filme ("Soft & Quiet")

Dica de Filme


Título: Soft & Quiet
Ano de lançamento: 2022
Direção:
 Beth de Araújo 



O mal que está à espreita e, não obstante, se revela 


2022 tem sido um ano e tanto em se tratando de filme de "terror social". Só pra citar alguns: "Men", "The Hatching" e "Speak No Evil". Com esse tipo de produção, o medo real é das pessoas, e até que ponto, tomadas de seus impulsos mais perversos, podem cometer atos de maldade. "Soft & Quiet", da estadunidense radicada no Brasil Beth de Araújo, chega para se juntar a esse grupo de filmes. Como o mais perturbador deles, diga-se.

A intensidade da trama é potencializada pela sensação de plano-sequência que Beth de Araújo coloca na narrativa. Longe de ser mero artifício de vaidade (como em "1917"), a falta de cortes em "Soft & Quiet" nos insere na história de maneira altamente imersiva. No jogo de câmeras (que vai ficando mais angustiante à medida que o tempo passa), ora estamos na frente dos personagens, ora estamos seguindo seus passos. Pior: não demora a sabermos quem são aquelas pessoas, o que pensam, qual a sua ideologia e tudo. Acompanhá-las através de um longo plano-sequência, portanto, dá uma sensação incômoda, ainda mais quando a situação se torna irreversivelmente perturbadora.




Mesmo que a história, claramente, seja focada em uma crítica social (pra lá de atual, é importante frisar), o roteiro de "Soft & Quiet" não demonstra desleixo na construção de personagens e nos diálogos. O que era extremamente necessário para o projeto funcionar, já que estamos falando de de um filme que se sustenta pela direção, pelas atuações e pela texto. E, nesses três pontos, a produção se sai muito bem. Tão bem que temos a sensação de estar acompanhando uma espécie de documentário macabro sobre gente asquerosa que, de fato, existe.

A movimentação de câmera e os diálogos são conduzidos de forma muito perspicaz, até para não cansar o espectador. Por isso, o foco da ação muda com frequência, dando espaço para todos os personagens falarem, às vezes, fora do nosso campo de visão, captando a reação de alguma outra pessoa durante uma determinada fala. Nisso, vamos sendo cada vez mais inseridos naquela espiral de insanidade e absurdos, naturalizados por aquelas mulheres como algo comum, inerente à tão falada, hoje em dia, "liberdade de expressão".

A grande potência de "Soft & Quiet" está no seu discurso implícito, nas entrelinhas da escalada da violência, mostrando que a perversidade alimentada por ideias tortas está sempre à espreita, pronta para dar o bote. Não à toa, e mesmo que soe um tanto expositivo, muitos diálogos possuem frases e expressões de efeito, como "família tradicional", e outros. Não é por acaso. Afinal, falas e atitudes perversas de hoje em dia começam assim: como uma aparente e inofensiva frase de cunho nostálgico ou saudosista. "Macio e quieto", em suma.




Pra dar mais veracidade à história, as atrizes se entregam com bastante vigor em seus papéis, especialmente na parte mais perturbadora e pesada da história, onde o sadismo atinge doses agoniantes, mas, nunca de maneira forçada. Até porque a diretora Beth de Araújo tem o bom senso de evitar grafismos exagerados e de mau gosto envolvendo violência. Algumas cenas são extremamente brutais. Mas, nunca gratuitas. 

Interessante também comi o filme abre espaço para falar de posicionamentos de gênero, com aquelas mulheres tendo uma visão ultra conservadora dessa questão. Tanto é que há apenas duas figuras masculinas na história, e ambas inoperantes diante da perversidade que está se formando ali, na frente deles, mostrando que certas ideias são excrudentes em todos os níveis possíveis, relevando cada pessoa a um papel específico dentro de um modelo pré-concebido de ignorância e insensatez.



Ao final, a experiência de assistir a "Soft & Quiet" é a mais desagradável possível. Isso porque nos é mostrado de maneira contundente como o perigo de ideias escabrosas está aí tão perto, e muitos teimam em achar que se trata de bobagem. É um filme que usa de uma violência física e psicológica avassaladora não como exercício grotesco da realidade, mas, como uma forma seca e direta de reflexão.

Onde iremos parar se deixarmos certas ideias crescerem (mesmo que de forma suave e quieta)?


Nota: 9/10

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