Dica de Filme ("Aftersun")

 Dica de Filme


Título: Aftersun
Ano de lançamento: 2022
Direção: 
Charlotte Wells


A busca por conexão 

Filmes sobre o relacionamento entre pais e filhos têm aos montes. Muitos são bons (os que trazem uma abordagem mais minimalista e intimista envolvendo os personagens principaus), e outros são só chatos e pedantes, justamente por quererem colocar o principal (a tentativa de convivência entre duas gerações distintas) em segundo plano, em prol de assuntos não tão interessantes assim. "Aftersun" está no primeiro grupo (o dos bons filmes), e mesmo assim não deixa de lado a abordagem de um tema delicado, mas, que só vamos compreender melhor ao final da obra. 

Sim, "Aftersun" é mais do que parece. E, ao mesmo tempo, é um recorte singelo (e, por vezes, bem triste) de relações familiares. Aparenta ser apenas uma história simplória de férias entre um pai e sua filha. Mas, logo no início, o filme já dá pistas: Sophie pergunta ao pai o que fez quando completou 11 anos de idade. Ele desconversa, e a mesma cena voltará em algum momento, sob outro ângulo, outra perspectiva e outro entendimento para nós, espectadores. 

É como se o filme falasse da necessidade de revisitar o passado para compreender o presente. E, esse será, em linhas gerais, um dos pontos de desenvolvimento de "Aftersun" enquanto reflexão a respeito das nossas convivências diárias, das nossas criações no seio familiar enquanto crianças, e da tentativa de conexão como ruptura de um passado ruim. Mas, nada disso é entregue de bandeja no filme. Temos que ser pacientes. 




Por sinal, uma das coisas que mais chama a atenção em "Aftersun" é a sua falta de pressa. Logo de início, após a sequência com a filmadora, o filme não tem pudor nenhum em se demorar por longos takes (muitos deles, banais) apenas apenas para nos mostrar, de uma forma ainda mais sensorial, o cotidiano dos protagonistas. E, já de início, percebemos que há muito amor envolvido naquela relação dos dois, mas, algo parece estar errado (especialmente na postura do pai, em pequenos gestos e atitudes).

Porém, como dito antes, nada é entregue de maneira fácil no filme. As cenas cotidianas de Sophie e seu pai se divertindo naquela pousada são intercaladas com outras que parecem não fazer sentido (mas, irão, acreditem!). Ao mesmo tempo, ambos, apesar do nítido carinho de um para o outro, parecem estar o tempo todo tensos, travados, como se ainda existisse uma barreira ali. É uma relação muito bem construída nos pequenos detalhes, que exige um pouco mais da nossa atenção.

Muito disso se deve à sensibilidade da diretora e roteirista Charlotte Wells, que, com composições de cena bem simples, consegue passar muitas mensagens e ideias, seja no close no rosto dos personagens, seja no posicionamento de câmera que emula a visão de um dos dois (ou mesmo do ponto de vista dos espectadores, no canto da tela). Isso faz com que possamos "estar" com Sophie e seu pai naquele local, e até meio que sentir os incômodos que sentem. E, mais uma vez frisando: tudo construído com calma e delicadeza, sem presa, sem situações apelativas. 




O filme tem foco quase que 100% em Sophie e em seu pai, e por isso mesmo os atores precisavam passar um mínimo de veracidade e carisma. Felizmente, é o que acontece. Paul Mescal e Frankie Corio estão excelentes nos seus papeis, sem nenhum tipo de exagero na interpretação, não precisando de muito esforço para comunicar tudo o que precisam, muitas vezes, apenas com um olhar (a pequena Frankie Corio, nesse sentido, está perfeita). Sem contar que é interessante escutar com atenção a trilha sonora, pois, ela diz muito a respeito dos sentimentos dos personagens (com destaque para "Losing My Religion" e "Under Pressure"). 

Outro ponto forte é o roteiro. Bem econômico, ele vai dando pequenas pistas sobre aqueles personagens (especialmente, do pai), mas, sem jamais se expositivo demais. Apenas, deduzimos o que pode ter acontecido, ou que está, de fato, acontecendo na relação dos dois, o porquê, às vezes, uma reticência, uma sensação de peso, um sentimento mais reprimido. Esse "deixar o espectador" estender é o que garante o engajamento pelo filme, o que deixa tudo ainda mais melancólico ao final (simbólico e muito bonito, diga-se de passagem). 




Versando sobre relacionamentos familiares, mas, também a respeito de problemas mais complexos (seria a própria tentativa de conexão entre parentes um desses "problemas complexos"?), "Aftersun" se destaca pela sua aparente simplicidade para abordar sentimentalidades diversas que podem estar na tangência das pessoas, ou o combustível para serem quem são. Um lindo (e tocante) estudo das relações interpessoais tendo como mote um passeio de férias entre pai e filha. A arte realmente é incrível!


Nota: 8,5/10

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