Dica de Minissérie ("A Queda da Casa Usher")

 Dica de Minissérie


Título: A Queda da Casa Usher
Ano de lançamento: 2023
Criação: Mike Flanagan


O poder é uma maldição?

Desde a ótima "A Maldição da Residência Hill", Mike Flanagan se notabilizou em fazer minisséries no formato de antologias, mesclando terror e drama (com especial ênfase para esse último ponto). Em Residência Hill funcionou que é uma beleza. Mas, quando Flanagan quis repetir a fórmula em "A Maldição da Mansão Bly" e "Missa da Meia-noite" o caldo começou a entornar. 

O problema? 

Essas produções posteriores carregam muitos maneirismos do autor, em especial, a predileção pelo melodrama e loooongooooosssss monólogos de um personagem aqui e ali. Em suma, a fórmula, muito bem equilibrada na Residência Hill, cansou nos outros produtos que Flanagan botou a mão. No entanto, agora chega "A Queda da Casa Usher", baseada na obra de Edgar Allan Poe, e agora sim, podemos dizer que o diretor/roteirista acertou novamente. 




Certamente, um dos pontos altos dessa minissérie é que Flanagan parece ter entendido a essência da obra original de Poe (a sede irrefreável pelo poder - um tema, convenhamos, atemporal), e fez disso um mote interessantíssimo para uma atualização muito boa de como pessoas endinheiradas e mega corporações lidam com a vida alheia, muitas vezes, de milhares e até milhões de pessoas, por objetivos meramente particulares e mesquinhos. 

Por sinal, permeia sobre toda a série um desdém generalizado pela vida por parte dos personagens (até mesmo de animais usados em experiências científicas). Nisso, sobram farpas para a indústria farmacêutica, mas, também há pontos onde questões mais intimistas são abordadas, já que todos os filhos do protagonista (Roderick Usher) possuem alguns espécie de carência emocional, potencializada por uma criação problemática à base de regalias e da sensação de que o dinheiro compra tudo.

Todos esses temas se fundem bem em uma trama com toques de terror, é verdade, mas, cujo mote principal é o drama, mas, não o melodrama um tanto forçado das produções mais recentes do Flanagan, e sim, algo melhor construído, sem excessos narrativos, e com ótimos personagens, que, mesmo asquerosos, são demasiadamente humanos. 




Em termos técnicos e de elenco, também não há o que reclamar, pois, ao menos, Flanagan sempre foi cuidadoso nesse sentido, até em seus momentos menos inspirados. Mesmo que alguns efeitos especiais pareçam realmente efeitos especiais, alguns são muito bons em sua simbologia (a "chuva" de corpos é um bom exemplo disso), e todos os atores estão ótimos em seus papéis. 

Mas, o grande trunfo aqui é, de fato, o que importa no final das contas: a história. Ou o roteiro. Que, neste caso, é uma triste e um tanto melancólica metáfora sobre a finitude da vida, onde, mesmo que acumulemos status, poder e influência, tudo encontra seu final, pois, até os grandes impérios, um dia, caem. O problema é que surgem outros, e no final, "A Queda da Casa Usher" dá um desfecho um tanto ingênuo nessa questão, mas, ainda assim, é um final bonito, que traz alguns contrapontos interessantes, como o fato de um personagem ser responsável pela morte de milhares de pessoas, ao passo que outro acaba sendo o catalizador para salvar a vida de outras milhares de vidas. 

A série não aponta necessariamente conclusões fáceis (do tipo "o poder corrompe"), mas, mostra, muitas vezes, até de forma cínica e debochada como esse mesmo poder potencializa o que o ser humano tem de mais abjeto, seja achando que pode usar outras pessoas como mero instrumento de prazer, seja supondo que tem o direito a tudo, não importando qualquer tipo de consequência. De certo modo, um retrato angustiante de nós mesmos (quantos fariam o mesmo que Roderick e quantos seriam Lupin ou Lenore?). 

Nesse sentido, "A Queda da Casa Usher" é tão provocativa quanto os melhores momentos de "Succession", só que sob outro viés, claro. 




Com isso, posso dizer que "A Queda da Casa Usher" é um dos melhores produtos assinados por Mike Flanagan (talvez até melhor que "A Maldição da Residência Hill"). Ao atualizar o texto de Allan Poe, ele conseguiu captar algumas inquietações que, mesmo passados mais de 200 anos da obra original, continuam a reverberar em outros mecanismos, mas, com a mesma essência: o poder é uma maldição. E é uma maldição porque nos revela. Por inteiro.

Baita minissérie.

Nota: 8,5/10


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