DICA DE FILME ("Os Assassinos da Lua das Flores")

Dica de Filme


Título: Os Assassinos da Lua das Flores
Ano de lançamento: 2023
Direção: Martin Scorsese


Encontre os lobos

CONTÉM LEVES SPOILERS

As imagens possuem força. Para um cineasta da velha guarda como Scorsese, que sempre trabalhou muito na perspectiva de compor imagens impactantes em seus filmes (vide o making off do genial "Touro Indomável"), essa preocupação imagética é levada com muito cuidado aqui, em seu novo filme, "Os Assassinos da Lua das Flores". Não é à toa que o longa tem muitas cenas de fotografias, como se nas imagens captadas ali, naquele momento, pudesse se revelar algo a mais daquelas pessoas. 

A história fala sobre os membros da tribo indígena dos Osages, que prosperaram financeiramente no início do século XX após alguns deles terem descoberto petróleo, mas, que nem isso impediu que sofressem com preconceitos, estigmas e outras formas de violências mais diretas. É quando o filme se concentra em dois personagens distintos: Mollie, membro de uma das famílias mais abastadas dos Osages, e Ernest, que se casa com ela, e juntos, transitam entre essa união interracial, e os interesses escusos de certas pessoas próximas a Ernest, em especial, de seu tio William.



Muito se reclamou, e não sem certa razão, de que o filme se foca demais no Ernest, e deixa Mollie de lado em alguns momentos, mesmo que a questão da violência contra a tribo dos Osages nunca saia de cena, estando em maior ou menor grau em sequências de violência explícita, ou de olhares e comentários (muitos deles, do próprio Ernest, que, mesmo casado com uma mulher indígena, custa a se desvencilhar de suas ignorâncias e preconceitos). 

Porém, mesmo que o foco total do filme ainda seja no "homem branco", existe algo a mais aí que vale a pena pontuar: em "Os Assassinos da Lua das Flores" não há, em hipótese alguma, uma espécie de "salvador", ou de homem não-indígena que reconhece o valor daquela tribo e se integra a ela. Não. Aqui, o roteiro de Eric Roth e do próprio Scorsese é sagaz o suficiente para não heroificar o personagem de Ernest, mas, também sem demonizá-lo. Trata-se tão somente de um rapaz, até certo ponto, ignorante, e um tanto ingênuo, mas, também ambicioso e preocupado em agradar o tio que, em certos termos, faz vista grossa para o que, claramente, está acontecendo ali. 

Ou seja, mesmo que o tempo de tela e o foco narrativo esteja mais em Ernest e não em Mollie (o que é um apontamento válido, diga-se), não vejo este personagem sendo o equivalente ao Tenente Dunbar em "Dança com Lobos", Nathan Algren em "O Último Samurai" ou Jake Sully em "Avatar". Não, aqui o mote é diferente, e é muito bom que seja, pois, faz a crítica de que mesmo aquela pessoa, apesar de estar numa posição privilegiada, ainda assim, não ajuda o grupo marginalizado que está tendo contato, e até atrapalha. Nesse sentido, inclusive, mesmo que no final haja uma mínima redenção em relação a Ernest, mesmo assim, ele não termina a história como o típico herói, o "salvador branco". 




Para além dessa questão, que, até certo ponto, foi uma surpresa positiva, "Os Assassinos da Lua das Flores" é uma baita reconstituição de época, dando pra notar o alto investimento da produção, além da forma respeitosa como a cultura dos Osages é mostrada. Contudo, e de fato, a duração de sua metragem pesa. Ao contrário de "O Irlandês", cujas quase três horas e meia, passam voando, aqui, a necessidade de contar muitos acontecimentos nos mínimos detalhes impede um pouco mais de fluidez na trama, o que faz com que algumas sequências sejam monótonas, para depois o filme ganhar fôlego novamente. 

Tudo bem que esse ponto é uma questão bastante subjetiva, mas, citando apenas um exemplo de como o filme se alonga um pouco demais, ele já tinha deixado claro quem eram os verdadeiros algozes dos Osages naquele vilarejo, porém, a trama trata com certo suspense o que nós, como espectadores, já tínhamos percebido. Além disso, alguns personagens, como um inspetor de polícia, não têm tanta importância assim para a história, e, em certos momentos, ganham um tempo considerável, e isso pesa no resultado como um todo. 

Em termos de atuações, estão todos bem, cumprindo seu papel, mas, sem nenhum grande destaque. Na verdade, alguns, como Leonardo Di Caprio, pareciam um pouco travados no começo. Nesse aspecto, Lily Gladstone, como Mollie, consegue um resultado mais interessante, já que, no final das contas, é a personagem que passa pelos maiores traumas, e a atriz consegue passar bem um início mais confiante dela, e depois, uma sensação de maior angústia e desespero diante daquelas tragédias.




Em suma, "Os Assassinos da Lua das Flores" poderia ser um filme bem melhor com um pouco menos de excessos narrativos. Ainda assim, ele é corajoso em certo aspecto ao não mitificar a figura de nenhum salvador branco, e até criticar a postura daqueles que poderiam fazer a diferença diante de horrores assim, e não fazem. 

Nisso, o filme pode ser traduzido como um épico amargo sobre a extinção dos povos originários dos EUA, onde, mesmo que eles se inserissem naquela lógica capitalista, e apesar de alguns terem conseguido enriquecer, a terra do Tio Sam, enquanto país fundado pelos colonizadores, foi e continua sendo um lugar inóspito para indígenas, negros, e quem mais não se enquadre em certos arquétipos. 

Horrível, mas, muito verdadeiro.


Nota: 8/10



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