DICA DE FILME ("Os Rejeitados")

 Dica de Filme


Título: Os Rejeitados
Ano de lançamento: 2023
Direção: Alexander Payne


Torna-te quem tu és

Em "Os Rejeitados", o cineasta Alexander Payne traz um olhar muito aguçado sobre o que as pessoas acham que são, como elas se definem, em contraste com o que elas podem ser de fato. Em determinados momentos do filme é como se o diretor e roteirista estivesse mostrando uma coisa, mas, através de de pequenos detalhes, querendo dizer outra. Basicamente como agem os dois principais protagonistas do longa, o professor linha dura Paul Hunham, e o estudante-problema Angus Tyller. 

O título rejeitados remete diretamente a esses personagens (e também a outros, mas, principalmente estes dois) porque, de uma certa forma, Paul e Angus são, cada um em seu universo particular, pessoas rejeitadas, seja pela família, pelos supostos amigos, ou pela vida em si. Então, apegados ao papel social que acham que precisam desempenhar, ambos agem de acordo com as expectativas de terceiros: um sendo o professor mais turrão e tradicional possível, e o outro sendo um típico adolescente que parece não se importar muito com as consequências de seus atos. 

Mas, será que isso realmente define Paul e Angus? Será que eles só se limitam a isso?




"Os Rejeitados" é como se fosse uma espécie de "romance de formação", onde você tem um personagem que irá aprender a amadurecer ao longo de uma jornada, e no final, ele se torna uma pessoa um pouco diferente de quando iniciou a história. De certa forma, isso aqui se aplica ao aluno e ao professor, já que, com o passar do tempo, vemos Paul se abrindo mais, desvendando camada por camada dos seus sentimentos, dos seus anseios, dos seus desejos, dos seus medos. 

Em alguns momentos, o aluno é que parece estar ensinando ao professor, e ambos se complementam numa história bonita e edificante, com tem toques de comédia, mas, é calcada muito no drama. E o melhor: isso não se dá de uma maneira vaga, superficial ou mesmo expositiva. São pequenos momentos da interação entre Paul e Angus que vão mostrando que aqueles dois ali possuem, talvez, mais afinidade do que imaginam. 

Podemos dizer também que há uma terceira "rejeitada" nessa história, que é a cozinheira da escola, Mary Lamb. De início, ela parece ser somente uma coadjuvante naquela trama, mas, aos poucos, ela se integra com Paul e Angus, e juntos ficam enclausurados por dias na escola, trocando conversas aparentemente triviais e descompromissadas, mas, que têm muito poder. Especialmente porque ela passou recentemente por uma tragédia familiar que não é apenas verbalizada em certo momento, porém, revisitada em pequenos e tristes gestos dela, em um olhar bastante sensível do diretor nessas horas. 




De uma certa maneira, podemos dizer que Paul, Angus e Mary, por um curto período de tempo, é uma espécie de família disfuncional, com eventuais desavenças, mas, com respeito mútuo. E, cada um, no seu universo particular, foi de alguma forma rejeitado, seja pelo poder dos mais influentes na vida acadêmica, seja pelo seu próprio país, ao mandar os mais pobres para uma guerra sem sentido (o filme se passa entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, auge do Vietnã). 

Vários assuntos são abordados aqui, mas, nada excessivamente panfletário, e sim, como parte da vida de cada um dos personagens. Por isso mesmo o filme nunca se torna pesado demais, apesar de ter alguns momentos tristes e que exigem certa reflexão. Porém, o diretor Alexander Payne consegue dosar bem drama e comédia, mesmo que talvez tenha se alongado demais na narrativa (o filme possui um pouco mais de 2 horas, no entanto, poderia ter menos). Contudo, parece que tudo o que foi mostrado precisava ser, o que enriquece ainda mais a trajetória de todos ali. 




Com atuações muito boas (especialmente do ótimo Paul Giamati) e temas sensíveis tratados de maneira envolvente, "Os Rejeitados" tem sim sua lição de moral no final, porém, sem pedantismo. Mostra a necessidade de sermos quem de fato somos, como já provocava Nietszche, onde cada um, em seu universo particular, pode encontrar pontos de convergência com outras pessoas, especialmente, naqueles mais renegados, que são colocados em caixinhas de papeis sociais rígidos, mas que, convivendo um pouco, descobrimos que são bem mais do que aparentam. 


Nota: 8/10



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