Dica de Filme (Não Solte!)

Dica de Filme


Título: Não Solte!
Ano de lançamento: 2024
Direção: Alexandre Aja



As crenças podem te matar!

Nossas crenças são complicadas. Tão complexas que, se impostas desde crianças, podem ter efeitos nefastos, irreversíveis. É muito difícil uma criança ou um adulto que nasceu e cresceu em um sistema de crenças muito rígido deixar de acreditar em algo, ou, pelo menos, questionar certas ideias. É o caso dos irmãos, Nolan e Samuel, criados por sua mãe em uma cabana no meio de uma floresta bem distante da civilização, e que são ensinados a se protegerem do "Mal", forças ocultas que pairam naquele lugar e pode possuir quer tocar. A salvação? Andarem na floresta amarrados por cordas. 

Rapidamente se vê que o filme investe na construção da força que os símbolos têm em qualquer sistema de crenças. Além da necessidade da corda amarrada aos seus corpos, eles também usam espécies de amuletos em seus pescoços, e quando alguém desobedece ou questiona as ordens da mãe, ou mesmo quando parece que foi tocado pelo "Mal", é imediatamente colocado de joelhos para dizer uma prece, e depois, colocado por horas em um alçapão no chão. Tocar na madeira entoando aquela mesma prece também ajuda a deixar "Mal lá fora". 




No entanto, Não Solte! também opera mediante certa ambiguidade. Sim, pode haver ali o fanatismo das crenças, uma violência desmedida contra crianças para que elas adotem rituais rígidos que, no final das contas, podem não dar em nada, mas... E, se, pelo menos, uma parte dessas crenças tiver um fundo de verdade? E, se o que esses personagens aqui vêem nada mais são do que alucinações induzidas por um delírio em grupo? O filme não dá respostas, ou, pelo menos, respostas simples. Tudo pode ser verdade, ou então, um grande sistema de crenças que consumiu aquela família até os ossos. 

Independente se tudo aquilo que estamos vendo ali é verdade ou não, o certo é que alguns momentos são bem assustadores, mas, em paralelo, algumas outras situações são muitíssimo tristes (a cena envolvendo um cachorro, por exemplo, parte o coração, tem um nível de dramaticidade muito genuíno). Ajuda muito nesse sentido o talento do cineats Alexandre Aja, que já tinha feito um filmão de terror e drama envolvendo crianças anos atrás (A Nona Vida de Louis Drax). Ele sabe como possicionar a câmera, quando dar um bom jumpscare, quando mostrar e esconder certas criaturas... Enfim, é um estilo tenso e que funciona demais para termos medo de um ambiente tão reduzido como aquele. 

E, ainda tem as atuações. Halle Berry há muito tempo não estava tão bem em um papel, ao mesmo tempo em que os atores mirins Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins se saem muitíssimo bem, ainda pelo fato de que ambos os irmãos possuem modos de agir e pensar diferentes, o que geram conflitos muito pesados na trama, mas, que esses atores seguram bem a resposabilidade de interpretarem personagens em situações tão delicadas (no mínimo). 




O grande barato de um filme como Não Solte! é justamente o debate que ele suscita sobre nosso sistema de crenças, como isso molda nossas interações sociais, como pode nos beneficiar ou prejudicar, ao mesmo tempo que brinca com a percepção do espectador sobre o que é real ou não, onde o perigo pode estar fora ou mesmo dentro de casa. Algumas cordas podem nos oprimir, ao mesmo tempo que outras podem nos salvar, e é trabalhando essas metáforas que o o longa ganha contornos tão interessantes. Podem desagradar a quem goste de finais mais explicados e mastigados, mas, quem se propor a entender suas camadas, certamente, vai encontrar boas reflexões sobre o que acreditar (e o que deixar de acreditar). 

⭐⭐⭐

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