Dica de Documentário

Blackfish
2013
Direção: Gabriela Cowperthwaite


Recentemente, no Brasil, houve uma grande polêmica quanto à realização das vaquejadas, práticas "esportivas" que visam derrubar um boi pelo rabo. Defensores dos direitos dos animais dizem que as vaquejadas são apenas maus tratos aos bichos, bem como ocorre com os rodeios, e até bem pouco tempo atrás, as rinhas de galo (estas, proibidas por lei). Já, há alguns anos, um menino foi atacado e morto por leões num circo na cidade do Recife. Todos esses casos, e muitos outros mais, dialogam bastante com o documentário "Blackfish", que expõe, de maneira bem incômoda, os bastidores dos parques aquáticos, cuja a atração principal envolve shows com orcas.

De início, a produção "engana" o espectador, mostrando depoimentos alegres de profissionais da área, bem como a alegria do público com os espetáculos apresentados nesses parques. Não demora, porém, para ele mostrar a que veio: a partir do momento em que o documentário relata um acidente fatal com uma treinadora de orcas no Seaworld, a produção muda de tom, e a depender da sua empatia para com os animais, ele passa quase a ser como um filme de terror. A primeira sequência chocante de acontecimentos mostra um grupo de pescadores contratados pela Seaworld para capturarem orcas ainda jovens, lá nos idos dos anos 70. É uma das partes mais duras e tristes de se assistir, pois mostra muitos filhotes sendo separados das mães de maneira bastante violenta.




Então, outros casos de "acidentes" em parques aquáticos começam a ser mostrados, em paralelo com as péssimas condições de vida que as orcas levam nesses lugares, seja pelo fato de estarem num local muito pequeno para o seu porte físico, seja pelos maus tratos que sofrem, como privação de comida caso não obedeçam ao treinamento. Há o agravante de muitas orcas serem feridas por outras baleias, devido a uma espécie de marcação de território, ou simplesmente, porque são orcas de diferentes espécies sendo obrigadas a conviverem num espaço minúsculo para elas. São inúmeros os casos de animais mortos ou gravemente feridos devido a isso.

"Blackfish", no entanto, concentra-se em mostrar um único desses animais: Tilikum, que foi capturado muito jovem há mais de 30 anos, e que foi o protagonista de alguns dos mais terríveis acidentes com treinadores de orcas do mundo. A explicação para o comportamento de Tilikum, ao longo do documentário, é simples e direta: ele, por pertencer a um grupo de animais (as orcas) bastante inteligentes, possui uma sensibilidade foram dos padrões normais de outros animais. Some-se isso ao fato de, desde cedo, ele ter sido sequestrado de sua família, ser colocado num pequeno tanque em que passava a noite sendo atacado por outras orcas, entre outros fatores. Trocando em miúdos: uma das mais horríveis prisões que pode existir. Num nível de estresse, depressão e vários outros abalos emocionais, não é à toa que, "de repente", um animal nessas condições se torne agressivo.




Interessante notar pelos depoimentos que todos os que hoje se posicionam contra os parques aquáticos, mas, que, no passado, trabalhavam para eles, são unânimes em dizer que não tinham consciência da crueldade da qual eram omissos. Tais falas parecem verdadeiras, portanto, caberia apontar que essas pessoas ou eram muito ingênuas, ou muito burras, pois, era bem claro que as condições de vida das orcas nesses lugares era péssima, e que, cedo ou tarde, qualquer tragédia podia acontecer. Mesmo que o arrependimento da maioria dessas pessoas seja algo, à primeira vista, verdadeiro, não há como negar a cumplicidade deles pelas mortes tanto de treinadores, quanto das orcas ao longo desses anos. O bom é que a estrutura do documentário não emite, explicitamente, juízo de valor, permitindo ao espectador fazer seu próprio julgamento dos envolvidos.

Porém, o que é claro em "Bçackfish", e que é a sua principal militância, é como o ser humano é capaz de agredir outras espécies só por divertimento, e como as empresas que lucram com esses espetáculos mórbidos lucram com isso, e, obviamente, abafam todo e qualquer caso trágico que venha a ocorrer. Um bom exemplo disso é quando a Seaworld tentou, por todos os maios, "culpar" uma treinadora que morreu após ser atacada por Tilikum, chegando ao ponto de dizer que ela foi puxada pelo animal pelo "rabo de cavalo" do cabelo da treinadora, o que caracterizaria negligência dela. Inclusive, essa empresa ainda continua no ramo desses shows, mesmo que tenha recebido algumas restrição da Justiça quanto ao treinamento dos animais. Incrivelmente, Tilikum continua lá, cada vez mais triste e isolado em seu aquário.




"Blackfish" é um registro pesado e incômodo, mas, necessário. Poderia ser só um pouco mais demorado, pois sua curta duração de uma hora e meia ainda dá margem para que vários assuntos possam ser tratados de maneira mais aprofundada. Mesmo assim, a produção cumpre o que promete, ao instigar o sentimento de revolta contra os absurdos mostrados aqui. É bom lembrar que as orcas também são chamadas de baleias assassinas. Nada mais injusto. Essa alcunha de "assassino", com certeza, é muito mais condizente com o ser humano, este, muito provavelmente, o animal mais perigoso a pisar na Terra, e o único, talvez, a se divertir com o sofrimento alheio.


NOTA: 8,5/10


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