Dica de Filme

Or
2004
Direção: Keren Yedaya 


Muitos consideram o cinema como escapismo rasteiro, uma forma de diversão passageira, algo bem ao estilo "multiplex". Só que cinema também é uma forma de reflexão; enquanto arte, pensa e nos tira de nossa zona de conforto. A sétima arte não precisa ser, necessariamente, divertida, leve, boba, até. E, é pensando assim que alguns realizadores fazem algo não apenas para incomodar, mas, pra mostrar que cinema também é vida real, no que ela tem de melhor e de pior. Chegamos, assim, a "Or", filme inquietante, aonde a abordagem de um tema delicado como a prostituição é, antes de tudo, documental e bastante crua.

Despido de qualquer glamour, o tema, de fato, ainda é tabu, mas, aqui, não há lugar para julgamentos. É o retrato cotidiano de uma menina (a Or do título) que faz de tudo para afastar a mãe da prostituição. E, realmente, faz de tudo: cata latas e garrafas para revender, trabalha num restaurante lavando pratos, estuda, e ainda tem tempo para cuidar da mãe, que anda bastante doente. Não raro, a garota a tranca em casa, para evitar que ela saia. E, não mais raro ainda, ela burla a vigilância da filha, a sai à noite, em busca de clientes. Às vezes, volta pra casa, apenas cansada. E, outras ocasiões, retorna bastante machucada, para desespero de Or.


Pelo enredo, o filme corria o risco de ser mais um drama piegas e cheio de moralismo vazios. Não é isso o que ocorre. A todo o momento, a mãe de Or se mostra uma pessoa, desgraçadamente, comum, cheia de falhas, sim, mas, nunca no sentido de gerar repulsa pela sua pessoa. Ela é apenas fraca, ao contrário de Or, que se mostra mais aguerrida o tempo todo, não ficando por baixo em nenhuma discussão e tendo mais pulso firme do que vários adultos da trama. Ao mesmo tempo, Or é doce e delicada, e quer tão somente aproveitar a sua adolescência. Quer ficar com rapazes, ir à festas, divertir-se, e tudo o mais. No entanto, sempre volta pra casa, e se depara com uma realidade que anula muito de sua vida pessoal.

Uma coisa que chama a atenção, são os diálogos econômicos ao longo do filme. Nada de grandes monólogos, discursos pedantes tão comuns no cinema hollywoodiano. O tom das falas é quase documental, que se estivéssemos sendo apresentados às situações naquele exato momento. Nada parece ser artificial. E, é justamente por isso que "Or" incomoda. O clima que a produção transmite é "real" demais, por vezes, visceral demais. Poucos se aventuram a ver algo assim no cinema. Até porque, este filme expõe muito de nossos preconceitos. A cena, por exemplo, em que a mãe do rapaz que Or está ficando aparece para proibir que os dois se encontrem é sofrida, e mostra muito da personalidade da dupla de personagens principais. Mãe e filha. Uma passiva, entregue às amarguras da vida, e a outra, tentando ser forte e não se abalar emocionalmente diante dos problemas.


A produção é muito feliz ao explorar esse intenso realismo amparado nas atrizes Dana Ivgy e Ronit Elkabetz. Ambas estão perfeitas em seus papeis, e, sem pudores, expõem corpo e alma de suas personagens, numa sincronia muito bem encaixada, numa relação verdadeiramente crível entre mãe e filha. Não há como elogiar o filme sem destacar também o excelente trabalho de Keren Yedaya, que conduz tudo sem pesar a mão (mesmo com um tema tão difícil), e deixa a história fluir. Dos enquadramentos da cenas, ao tempo que elas duram, toda a produção é harmoniosa, não faltando praticamente nada, e também não havendo situações em excesso.


"Or", de uma maneira um tanto simples, é um drama que expõe uma crueldade tão latente que talvez poucos gostem de sua abordagem. Alguns, realmente, preferem algo mais "fácil", mais "linear", menos "brutal". Preferem, pois, o comodismo, que é algo que este filme não lhes oferece. E, no final, tudo se resume à fortaleza da personagem principal, que paga, justamente, o preço por ser forte. Um último olhar chega ao espectador. Talvez, pedindo socorro. Ou, talvez, exigindo não ser julgada. Só, que já é tarde, e somos cúmplices pela dor de Or. Uma dor que ignoramos. Exatamente, por ser mais cômodo.


NOTA: 9/10

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