Filme Mais ou Menos Recomendável

Um Limite Entre Nós
2016
Direção: Denzel Washington


Parece inacreditável, mas, uma das coisas mais essenciais ao bom cinema (o feeling que torna a narrativa fluida e envolvente) anda muito em falta nas produções recentes. E, se é para exemplificar bem essa deficiência, basta assistir aos 20 primeiros minutos de "Um Limite Entre Nós", dirigido e estrelado pelo (quase) sempre ótimo Denzel Washington. O Problema é que Denzel, como diretor é um ator sobrebo, pois, o início deste filme aqui é travado e demasiadamente verborrágico. Na realidade, como quem fala a a maior parte do tempo é o personagem interpretado por ele, fica até mesmo a dúvida se aqui não se tratou só de puro ego.

A história, em si, não é das mais criativas, atendo-se somente ao dia a dia de uma família, com enfoque no patriarca dela, Troy Maxson, vivido pelo próprio Denzel. E, somente isso. O problema é que filme que retratam conflitos familiares são sempre uma faca de dois gumes (ou podem dar muito certo, ou pode dar muito errado). Isso porque a linha que separar o piegas do naturalmente emocionante é muito tênue. Aqui, optou-se, para fugir um pouco do padrão, centrando a ação num personagem principal que, claramente, tem problemas psicológicos (principalmente, a depressão). Só que tanto falatório acaba soando cansativo, e muito expositivo. Não há uma construção orgânica entre os diálogos e os acontecimentos como um todo, pelo menos na primeira parte do filme.




Na maior parte do tempo, fica parecendo que estamos diante de uma peça de teatro. E, de fato, o filme é baseado numa obra teatral. Só que o que funciona num espaço, necessariamente, não funciona no outro. Por mais que se queira valoriza cada diálogo dito, cinema tem que ter uma forma de dinamismo na sua condução narrativa. E, aqui, isso foi esquecido. Sem contar que, para ser um drama com momentos pesados de um cotidiano familiar, a emoção é mínima e não ocorre quase identificação com os problemas dos personagens; algo que muda consideravelmente na segunda metade da produção, que o excesso de falas ameniza, e as ações passam a ser mais naturais.

Até o turrão e antipático Troy Maxson passa a ser alguém digno de piedade, principalmente, quando tenta resguardar o irmão com problema mentais. Mesmo que  um ou outro cliclê apareça nesses momentos, ao menos, tudo passa a fazer mais sentido, e começamos a assistir de melhor vontade. Interessante que a questão racial no longa é abordada só em alguns momentos pontuais, como na luta de Troy por querer ser o motorista dos caminhões de lixo de onde trabalha, e não mais o carregador. Isso, felizmente, não deixa o filme ficar panfletário, com a mensagem sendo passada de forma segura e precisa.




É bom ressaltar, apesar dos muitos defeitos de "Um Limite Entre Nós", a ótima galeria de personagens que circundam o protagonista Troy. Temos, por exemplo, a forte e decidida esposa dele, Rose (que proporciona algumas das melhores e mais emocionantes cenas do longa), o amigo boa praça da família, Bono, e o irmão com problemas mentais de Troy, Gabe, que também proporciona bons e cativantes momentos. No entanto, nitidamente, todos eles são ótimos personagens desperdiçados numa produção esquemática demais, ora didática, ora repleta de diálogos inúteis, ora pré-fabricada para arrancar algumas lágrimas do espectador.

O roteiro, um dos trunfos da peça teatral que deu origem ao filme, e que aqui, foi bem mal utilizado, é cheio de metáforas que poderiam render reflexões interessantes,sem que, pra isso, ficassem sacais. É muito interessante, por exemplo, a analogia do título original ("Cercas") com a cerca de verdade que Troy passa a construir ao redor de sua casa, e que simboliza o nosso "isolamento" do mundo, ao mesmo tempo em que "trancamos" o que sentimos em troca de uma vida monótona, e que pode nos la afetar para o resto de nossas. Uma bela abordagem da vida, mas,que aqui soa pretensiosa em meio a tanta verborragia de Troy, o que mina qualquer experiência do espectador em buscar respostas por si.




Claro, sejamos honestos, e não nos esqueçamos do elenco, que está afiadíssimo, a começar por Denzel Washington. Mesmo pesando a mão como diretor, e nesse aspecto, não convencendo, como ator, a coisa muda de figura, e vemos o seu nível de entrega numa interpretação que beira a perfeição. O restante dos atores, diga-se, não fica nenhum pouco atrás. Viola Davis está impressionante, dosando momentos mais contidos, com outros mais explosivos, numa expressividade corporal digna de nota. Outros que merecem menção são Mykelti Williamson, comovente como Gabe, e Stephen Henderson, fazendo o bonachão Bono com muita simpatia.

É chato, no entanto, que um texto tão bom, e com um elenco tão fabuloso, tenha sido desperdiçado num filme esquemático, com cara daquelas produções que colocam em seus posteres todos os prêmios que ganhou. A narrativa é muito arrastada, sem fluidez, com diálogos deslocados e muito expositivos, Mesma melhorando da metade pro final nesses aspectos, o filme acaba virando mais um dramalhão feito só pra emocionar. Não que isso seja ruim (quando a coisa é feita de maneira natural, claro). O que sobra são atores formidáveis dentro de uma produção com poucas cenas de emoção genuína. Uma pena, pois, pelo histórico da carreira de Denzel, ele poderia ter nos proporcionado uma experiência melhor e menos entediante.


NOTA: 6/10


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