Dica de Disco

Elwan
2017
Artista: Tinariwen


Essa tal de multiculturalidade é complicada. É muito comum essa palavra ser a desculpa perfeita ou para misturas indigestas, ou, simplesmente, para garantir o monopólio de determinado ritmo sobre outro, tudo como o mainstream gosta. Mas, às vezes, e só às vezes, aparecem novidades realmente revigorantes, e que damos graças aos céus por existir uma coisinha chamada globalização (pelo menos, no mundo da música, é bom dizer). Afinal, sem isso, uma banda como a Tinariwen seria totalmente inviável. 

Pode não parecer, dado o goste de "novidade" que o seu som exala, mas, o grupo já tem um certo tempo de estrada. Foi fundado, mais precisamente, no ano de 1979, por tuaregues (que são pastores seminômades). Mesmo nunca tendo ficado necessariamente parados, os integrantes da banda puderam, em meados de 1990, voltar à sua terra natal, Mali, devido à melhoras no seu cenário político. Foi então que a Tinariwen, finalmente, começou a ter projeção mundial. Para se ter uma ideia, eles já participaram de festivais como os de os de Roskilde (Dinamarca), Glastonbury (Inglaterra), Coachella (EUA) e Printemps de Bourges (França).



E, eis que o grupo chega em 2017, firme e forte, lançando seu oitavo disco de estúdio, o ótimo "Elwan". Já perfeitamente conscientes do som que querem, exploram com muita competência músicas de sua cultura local, com um sotaque muitos particular, mas, falando para o mundo, através de guitarras dissonantes, ora pendendo para o puro rock, ora para uma espécie de blues. Mas, tudo com muita identidade, o que lhes confere vários pontos extras, já que não é fácil manter traços de sua cultura num mercado globalizado como o nosso, principalmente, ao estúpido preconceito que há com os povos daqueles lugares. Alheia a isso, porém, a Tinariwen. E, que belo disco é este aqui!

As duas primeiras músicas do disco dão um belo exemplo do conjunto desta obra. "Tiwàyyen" e "Sastanàqqàm" são canções cuja base rítmica está nas guitarras cadenciadas e nos batuques típicos da região. E, a mistura não soa nem um pouco forçada, ao contrário: parecem que tais ritmos nasceram um para o outro. Junte-se a isso o peculiar linguajar das letras, com uma cantoria hipnótica e enraizada, o que deixa as composições ainda mais interessantes. A canção seguinte, "Nizzagh Ijbal", vai numa marcha mais lenta, mais contemplativa, que lembra até algumas músicas acústoicas do Led Zeppelin. Já, "Hayati" lembra um pouco algumas composições de Carlos Santana no clássico "Abraxas". Ter esse tipo de referência é sempre bem-vindo.




A bonita "Ittus" volta a prestar reverência ao Zeppelin de Chumbo, tendo apenas como base uma guitarra um tanto arrastada, mas, que, ainda assim, consegue realizar um trabalho competente. Bem melhor é a música que vem a seguir, "Ténéré Tàqqàl", também climática, porém, mais diversificada. Os primeiros segundos de "Imidiwàn n‐àkall‐in" dão a impressão de que a canção vai cair na repetição, mas, com a entrada dos batuques, o ritmo passa a ficar mais envolvente, bem cadenciado. "Talyat" é o tipo de canção que começa como quem não quer nada, e que vai crescendo com o tempo, até se transformar numa baita música, com todos os (bons) elementos que fizeram a fama da Tinariwen.

Enquanto "Assàwt" é animadamente ritmada, "Arhegh Ad Annàgh" é calma, lenta, quase como uma oração. E, ambas são excelentes, apesar da curta duração delas. "Nànnuflày" é talvez o ponto fraco do disco; uma canção um tanto repetitiva, chata, e que não acrescenta muito do que já se ouviu ao longo do disco. "Intro Flute Fog Edaghan", como o próprio nome já sugere, é a introdução com flauta para a derradeira canção do trabalho, "Fog Edaghàn", que fecha o disco meio que no piloto automático, sem grande novidade ou impacto, algo que poderia ter sido melhor trabalhado. Mesmo assim, o saldo ainda é bem positivo.

Muito provavelmente, não será dessa vez que a Tinariwen se tornará amplamente conhecida. O disco "Elwan", realmente, é muito bom, mas, perde força na sua parte final, o que é uma pena. Talvez, se o álbum possuísse umas três músicas a menos, o trabalho ficaria mais coeso, com mais carisma. Apesar disso, não deixa de ter uma ótima qualidade, com um bom gosto para arranjos e melodias invejável. Enquanto aguardamos a próxima empreitada da banda, cabe "perder" alguns minutos escutando seu novo trabalho, um atestado de que, afinal, essa multiculturalidade pode, enfim, resultar em algo de bom.


NOTA: 8/10


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