Dica de Filme

A Fonte da Vida
2006
Direção: Darren Aronofsky


O que a arte se não ir além das expectativas, provocar, instigar, ser um pouco mais profundo do que a realidade que nos rodeia? De livros de auto-ajuda, as prateleiras das livrarias já estão cheias, bem como a superficialidade e a futilidade estão presentes nos programas de TV. Então, sobre ao cinema uma tarefa um tanto ingrata: ser mais engajado que o que habitualmente enxergamos. Não que seja uma obrigatoriedade, mas, quando um filme se torna relevante e, para algumas pessoas, até essencial de ser visto, mostra o quanto de poder tem a sétima arte. Porém, não é fácil, visto que o velho "desligue o cérebro, e divirta-se" continua em alta, a todo vapor. Em contrapartida, há os "marginais", que ousam um pouco mais, e realizam obras como este "A Fonte da Vida".

Quem conhece o cinema de impacto do diretor Darren Aronofsky, não vai se espantar tanto aqui, principalmente, pra quem assistiu o poderosíssimo "Réquiem para um Sonho". Evidente que em "A Fonte da Vida" não teremos nada tão visceral e incômodo, No entanto, veremos, em iguais proporções, uma tristeza muito latente pela incompreensão da morte, e por conseguinte, da própria vida. Honra, amor, vaidade... São muitos sentimentos abordados, e todos canalizados numa pessoa: Tommy, cientista que vem passando por dificuldades devido à doença de sua esposa. Mas, esperem? E, o início do filme, com Tommy sendo um cavaleiro real do século 16, em busca de um fonte que dizem ter o segredo da imortalidade? Antes disso, ainda, temos Tommy sendo uma espécie de budista, resiliente, meditando ao lado de uma árvore. E, tendo lembranças. E, no quê tudo isso se encaixa?




"A Fonte da Vida" é o tipo de filme que é preciso ficar atento, pois, todas as cenas têm ligação lógica entre si, mesmo que, eventualmente, você queira ter sua própria interpretação da história. As cenas, aparentemente, são desconexas. Não sabemos se estamos no passado, no presente ou no futuro dos protagonistas. Mas, no final, isso importa, mesmo? A própria vida, em si, tem uma ordem lógica a ser seguida? Porém, uma coisa liga os "três mundos" de Tommy: o amor que sente por sua esposa Izzi, retratada em seus mundos de uma forma diferente em cada um. Um amor que, inclusive, vai além do contemplativo, e do piegas, numa luta entre o platônico e o imaginário com o racional. 

De fato, não é o tipo de produção que se vê todo dia, e melhor: não soa pedante. Sabem os mais recentes filmes de Mallick? Pois bem, este aqui passa longe desses, e, ironicamente, tem bastante familiaridade com a melhor obra do próprio Mallick: "A Árvore da Vida". Em ambos, através das dores particulares, individuais, vislumbramos os problemas universais, e concluímos que não passamos de um grão de areia perto de tanta vastidão. Nos dois filmes, esses simbolismos são materializados através do cosmo, do nascimento e morte de estrela, do universo em expansão, da vida que começa em algum lugar. E, por fim, a experiência de assistí-los é inteiramente sensorial; ou você "se entrega" à história, ou achará tudo muito chato.




O roteiro, escrito pelo próprio diretor Aronofsky, consegue transitar muito bem nessa seara de reflexões mais profundas, e mesmo assim, tem uma narrativa que prende a atenção, e nós leva a esperarmos o desfecho de tudo (no caso, o último capítulo do livro. Mas, que livro é esse? Só assistindo para saber...). Algumas metáforas são mais sutis, outras, não, mas, todas são muito interessantes. Exemplo disso é quando Tommy perde sua aliança, e, após certos acontecimentos, "tatua" um anel em seu dedo com tinta (e, mais uma vez, só assistindo para entender). São realmente muitos significados, e é preciso ver o filme todo, e compreendê-lo como um todo, formado por um mosaico de ações e sentimentos humanos dos quais, muitas vezes, não paramos para sentir. 

Nesse contexto, é surpreendente a atuação de Hugh Jackman, que, longe das produções de super-heróis, mostra densidade dramática suficiente para rivalizar com muitos atores badalados por aí. Não é exagero dizer que ele rouba o filme a cada momento, compondo um Tommy melancólico, digno de piedade. E, não é só carisma; é passar todas as nuances que um personagem pede, chorando quando tem que chorar, introspectivo quando é necessário e alegre quando é preciso. Rachel Weisz, que interpreta Izzi, também comove e a veterana Ellen Burstyn dá dignidade à sua Dra. Lillian. Mas, nada comparado ao que Jackman faz. Nisso tudo, ajuda muito uma direção mais calma e elegante de Aronofsky, e uma composição visual de se encher os olhos. Tudo, óbvio, amparado por um roteiro que consegue fugir da trivialidade do cinema norte-americano atual. Um conjunto, portanto, fascinante.




Não estamos diante de um filme de "fácil assimilação", mas, mesmo assim, é uma experiência que pode dar uma percepção diferenciada do que seja o cinema atual. Pra uns, é verdade, continuará sendo chato, sacal, pedante ou "cabeça" demais. Faz parte. O vício no que é mais simples de ser entendido é algo muito vivo por aí. Filmes como "A Árvore da Vida", "Vocês, os Vivos", "Holy Motors" e este "A Fonte da Vida" continuarão por um bom tempo sob a aura da incompreensão. O que não percebemos é que, como arte, uma obra pode (e, deve) ser interpretada de diversas maneiras, sendo que o essencial, é que ela provoque essa interpretação, que tire o espectador do lugar comum. Não tem problema assistir uma produção como essa duas vezes, ou mais, se preciso for. Um livro precisa de um ponto final; nosso entendimento das coisas, não.


NOTA: 8,5/10


Comentários