Dica de Filme

Shin Gojira
2016
Direção: Hideaki Anno e Shinji Higuchi


A MAIS RECENTE PRODUÇÃO JAPONESA DE GODZILLA É UMA BELA AULA PARA O CINEMA HOLLYWOODIANO DE COMO FAZER FILMES DE MONSTROS

O sub-gênero "filmes de monstros" há muito não traz nada de interessante no cinema. Nem as revisitações de alguns clássicos se saíram bem. Recentemente, tivemos o sul-coreano "O Hospedeiro" e o morte-americano "Círculo de Fogo", que, se não são necessariamente originais, pelo menos, injetaram um pouco de ânimo nesse tipo de sub-gênero. Mesmo assim, a maioria das produções desse tipo atualmente são invariavelmente ruins (vide o terrível "Kong: A Ilha da Caveira"). Então, eis que, ano passado, o cinema japonês nos brindou com um baita filme de monstro, justamente ao revisitar a sua criatura mais clássica: Godzilla. 




A diferença é muito fácil de perceber, e está na abordagem do tema. Enquanto que na maioria desse tipo de filme (principalmente, os hollywoodianos), as pessoas envolvidas na trama são demasiadamente burras, beirando o cômico, com um militarismo cheio de frases de efeito, neste exemplar aqui, a situação é tratada de maneira mais "pé no chão", com governo, exército e população civil empenhada em descobrir como lidar com uma criatura gigantesca como Godzilla. Tanto é que a maior parte da produção se passa em gabinetes governamentais, onde somos inseridos nos debates burocráticos, que decidem o que fazer e o que não fazer em relação ao monstro. E, essa abordagem é muito interessante, pois, mostra como conflitos políticos podem determinar a intensidade de uma tragédia, tornando tudo pior do que já está.

Outro ponto a favor é o dinamismo da direção. E, isso não chega a ser uma surpresa se formos olhar os nomes dos envolvidos. Primeiro, temos Hideaki Anno, "simplesmente", o diretor de um dos maiores animes de todos os tempos: "Neon Genesis Evangelion". O outro que está por trás das câmeras é Shinji Higuchi, que dirigiu a fraca adaptação de "Ataque dos Titãs" para o cinema. Juntos, eles conseguem impor uma narrativa que, mesmo verborrágica na maioria do tempo, não cansa, nem apela para situações demasiadamente clichês. Há momentos, é verdade, claramente patrióticos, porém, é interessante notar como esse sentimento de patriotismo é tratado no Japão, baseado num filme assim. Ao contrário dos EUA, cuja atitude nacionalista beira o ridículo, a população japonesa parece tratar a sua ideia de nação de uma maneira mais racional, equilibrada, sob o ótica de que o Japão sempre passará por dificuldades, mas, precisará se reerguer, muitas vezes, sozinho. Um misto, portanto, de esperança e melancolia, o que torna a trama ainda mais rica.




Por incrível que possa parecer, o principal defeito do filme são alguns dos seus efeitos visuais, principalmente, na forma inicial da criatura. Logo que vemos o monstro pela primeira vez, não há como não estranhar a sua bizarra aparência, rastejando por entre prédios. Evidente que quiseram dar um tom mais realista nesse sentindo, fazendo com que Godzilla se comportasse, de fato, como um réptil. Porém, tanto a sua movimentação, quanto a sua aparência inicial ficaram um pouco sem credibilidade, digamos assim. E, há alguns momentos, em seu estágio já evoluído, em que o monstro parece um grande boneco de plástico, imóvel em suas reações, o que também ficou estranho. Pra compensar, felizmente, existem outras cenas em que os efeitos visuais foram bem melhor empregados, principalmente, na sequência em que Godzilla desenvolve, devido à energia nuclear da qual é feito, raios de fogo saindo de sua boca. As cenas de destruição em Tóquio, por exemplo, são impressionantes. Caso os coordenadores de efeitos especiais tivessem tido esse cuidado com o filme todo, a resultado ficaria bem melhor.

Ainda, no campo dos pontos positivos, temos as atuações, que, ao contrário do que se espera em produções orientais, não são nem um pouco exageradas, tendo, sim, um ou outro momento risível, um pouco mais exacerbado, mas, nada que comprometa o resultado. Nesse sentido, menção para Hiroki Hasegawa e Yutaka Takenouchi, que compõem personagens muito interessantes que estão no epicentro do governo, e cujas decisões serão decisivas na história. E, por fim, a direção conjunta de Hideaki Anno e Shinji Higuchi dão a coesão necessária que o filme precisa, sendo que a maior qualidade, provavelmente, pendeu mais para o lado de Hideaki, já um veterano, e mais acostumado a lidar com histórias mirabolantes, repletas de estratégia. Em contrapartida, o dinamismo de Shinji deve ter sido fundamental para que essa condução dupla ficasse na medida certa, sem exageros de nenhum dos dois estilos.




Não obstante, "Shin Gojira" foi o grande vencedor do "Oscar japonês", ocorrido em março desse ano, ganhando em, nada menos, do que sete categorias, entre elas, as de melhor filme e diretor. E, pode-se dizer que foi merecido. Mesma não sendo um primor de perfeição, essa, que é 29ª versão de Godzilla para o cinema, é um baita blockbuster com conteúdo, que respeita a inteligência do espectador, ao mesmo tempo que oferece imagens de tirar o fôlego, como toda super-produção tem que ter. Dentro da escassa seara de "filmes de monstros", este aqui se destaca, justamente, por dar mais destaque aos seres humanos e os seus instintos de sobrevivência, do que ao monstro em si, que também pode ser traduzido como uma metáfora de como a sociedade está, e não é exagero, à beira da destruição. Perto do homem, Godzilla é, portanto, quase inofensivo.


NOTA: 8/10


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