Dica de Filme

Tudo Vai Bem
1972
Direção: Jean Luc-Godard e Jean-Pierre Gorin


"CADA UM É O SEU PRÓPRIO HISTORIADOR. EU. VOCÊ. ELE. ELA. NÓS. TODOS VOCÊS."

Metalinguagem. 
O cinema explicando o próprio cinema. 
Godard. 
Gorin. 
1968. 
Ao mesmo tempo, 1972. 
Cinema político. 
Críticas. 
Provocações. 
França. 
Mundo. 
Mudar o mundo. 
Transformar o mundo. 
Arte. 
Engajamento. 
Arte como engajamento. 
Consumismo. 
Sistema. 
Opressão. 
Violência policial. 
Autoritarismo. 
Esquerda. 
Direita. 
Relacionamentos humanos. 
Extremismos. 
Exploração do trabalho. 
Utopia. 
Ideologia. 
Hoje. 
Agora. 
Luta. 
Protesto. 
Inconformismo. 
Cinema. 
O mais puro cinema. 
O mais puro cinema que, acima, de tudo, não se "contenta" em ser apenas cinema. 

Em linhas gerais, "Tudo Vai Bem" é isto, e, a depender do grau de inquietação que ele desperte, pode ser até mais. Seja pra mim. Pra você. Pra nós. Todos nós.




Na realidade, a história propriamente dita de "Tudo Vai Bem" começa com o grupo Dziga Vertov, um coletivo de cineastas franceses criado por Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin em 1968, aquele que é considerado o ano mais ativo em termos de revoluções do século 20. 

É óbvio que esse coletivo era formado, estritamente, por verdadeiros militantes políticos, visto até que as regras dos filmes feitos pelo grupo eram muito claras: muito experimentalismo técnico, roteiros com ideologias bastante marxistas e a falta de autoria pessoal das obras. Tudo com o objetivo de fazer uma arte não-comercial e sem a glamourização dos "nomes de autores". 

Era o cinema pelo cinema, com viés político, e nada mais. Nesse processo, muitos filmes interessantes foram sendo feitos no decorrer dos quatro anos de existência do grupo, porém, o seu maior clássico só viria com o estupendo "Tudo Vai Bem", lançado no último ano de atividades do movimento.

Para compor o seu "filme manifesto", Goddard e Gorin chamoram dois ícones do cinema da época, cada um em seus respectivos países: o italiano naturalizado francês Yves Montand (que já havia foi outro fenomenal filme político anos antes - "Z", de Costa-Gavras), e a norte-americana Jane Fonda (cuja carreira já constava com filmes de sucesso, como "Descalços no Parque" e "Barbarella"). 

Como é de se supor, ambos fazem o casal de protagonistas em "Tudo Vai Bem". Isso, inclusive, é bem delineado logo no início do filme, quando uma narração faz questão de explicar como é feito um filme, os seus custos, a criação de um roteiro, de personagens, etc, num exercício de metalinguagem muito bem bolado. 

Por sinal Godard e Gorin fizeram questão de soltar suas ironias logo nesse começo: vemos o casal fazendo juras de amor das mais piegas, muito provavelmente, numa crítica ao cinema água com açúcar de histórias edificantes, que, naquela época, já era muito comum.




Com os personagens devidamente inseridos no filme, chega a hora de colocá-los na ação propriamente dita. É bom ressaltar que ele é diretor de filmes e comerciais de TV e ela é jornalista, o que vai ser muito importante para as críticas que a trama vai fazer ao longo da narrativa. 

É quando o casal resolve visitar uma fábrica de produtos alimentícios para uma reportagem que ela pretende fazer, e é nesse momento que se envolvem num motim dentro da fábrica, aonde alguns funcionários, revoltados com as péssimas condições de trabalho, mantém o diretor da empresa como refém durante um protesto. 

Nessa situação insólita, então, surgem as mais numerosas críticas possíveis, desde a ganância dos empresários, poucos preocupados com as condições de trabalho dos seus funcionários, passando pelo corporativismo dos sindicatos, que pouco ou nada fazem em prol daqueles que deveriam defender, até os próprios manifestantes, que se mostram imaturos para gerirem uma manifestação desse porte.

Em muitas ocasiões, o roteiro se vale de longos monólogos dos personagens, relatando as suas opiniões sobre os acontecimentos que a história vai tomando. Muitos podem não gostar desse artifício, taxando até mesmo o filme de enfadonho, mas, são recursos que se mostram necessários para a proposta que os realizadores queriam para a produção. 

A política, em si, é muito pesada, e com um filme que veio a se tornar um ícone do cinema político, não poderíamos esperar algo leve, raso e sem substância. "Tudo Vai Bem" ´excelente, pois, naquilo o que se propõe, ele é perfeito. Quem quiser um cinema mais escapista, existem diversos exemplares desse tipo por aí. E, Godard, Gorin e a sua trupe de amigos precisavam fazer esse filme, necessitavam dizer o que dizem. 

Essa necessidade torna tudo ainda mais urgente, mais impactante, a exemplo do exímio plano sequência, já perto do final, que se passa numa enorme rede de supermercados, e que compõe um interessantíssimo microcosmo da sociedade, em toda a sua boçalidade, falta de empatia e desejo consumista.





Engana-se, contudo, quem pensa que as críticas e provocações encontradas em "Tudo Vai Bem" se resumem apenas ao teor político. O roteiro aproveita também a oportunidade para questionara os relacionamentos efêmeros entre homens e mulheres, principalmente, pendendo para o lado feminino, quando a personagem de Jane Fonda fala que a despeito de todos os problemas e preocupações que ela tem, o seu parceiro só pensa numa coisa: sexo. 

Ah, e é claro que o fato de um ser diretor de audiovisual e a outra ser jornalista rende também inúmeras alfinetadas nessas respectivas profissões. Como ele mesmo fala num determinado momento: "É mais honesto fazer publicidade do que filmes estúpidos!" E, ainda assim, mesmo com um viés político tão carregado, aqui temos o mais puro cinema, com Godard e Gorin apresentando uma técnica primorosa, com jogos de câmeras inusitados, cortes, enquadramentos, etc, tudo bastante experimental como orientava o próprio grupo Dziga Vertov. 

É também bom ressaltar as ótimas atuações de Yves Montand e Jane Fonda, muito naturais diante da câmera, e transparecendo muita credibilidade durante os discursos dos personagens. 

Ao final, "Tudo Vai Bem" acaba fazendo uma espécie de "balanço" ácido, mas, coerente, dos resultados de Maio de 68, mostrando que as injustiças continuavam as mesmas, e quem deveria protestar se perde em imaturidades juvenis ou na sordidez de se "vender" ideologias a troco de banana. 

E, isso apenas quatro anos após eventos tão significativos para os nossos tempos foi de uma bela audácia. Audácia, essa, que ainda continua pertinente, já que os problemas continuam os mesmos, e a forma de reagir a eles também. É um filme atemporal, que dialoga de maneira lúcida com o seu tempo, propondo uma justíssima indignação completa, unida a uma ação efetiva contra tudo de errado que (ainda) está aí. 

Se a arte, para fazer algum sentido, precisa ser engajada de alguma forma, esta produção mostra, como poucas, até aonde pode chegar a sétima arte, sem precisar ser apenas um mero produto de entretenimento. 

E, ao contrário do que o irônico título indica, "tudo NÃO vai bem", se é que algum dia estevem "bem".


NOTA: 9,5/10


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