Dica de Filme ("O Dia em que a Terra Parou")

Dica de Filme

O Dia em que a Terra Parou
2008
Direção: Scott Derrickson


REMAKE DE CLÁSSICO DA DÉCADA DE 50 CONSEGUE FAZER BOAS CRÍTICAS SOCIAIS, SEM ABDICAR DE SER UMA DIVERSÃO COMPETENTE E BEM DOSADA

É verdade que a maioria dos blockbusters hollywoodianos são bem medianos. E, quando são blockbusters de ficção científica, por exemplo, o perigo do filme ser muito ruim é bem palpável. Mas, existem aquelas produções que, mesmo não sendo extraordinariamente fantásticas, conseguem contar uma boa história, de maneira interessante, e com personagens com algum carisma.

Uma dessas é "O Dia em que a Terra Parou", superprodução dirigida com sobriedade por Scott Derrickson (de "O Exorcismo de Emily Rose" e o recente "Doutor Estranho"), e que dividiu público e crítica à época de seu lançamento. No entanto, o longa tem mais a oferecer do que a nossa vã experiência cinéfila pode imaginar, e pode até surpreender quem espera assistir uma "bomba" repleta de efeitos especiais.




Mesmo sendo uma refilmagem de um filme da década de 50, o atual "O Dia em que a Terra Parou" procura (e, consegue) ter identidade própria, colocando a história para os tempos de hoje, com ótimas referências e algumas boas "alfinetadas". 

O filme começa mostrando um alpinista, que encontra nas montanhas um estranho objeto (uma espécie de esfera), e que parece não ser deste mundo. Décadas se passam, e o núcleo da história se concentra em Helen Benson, renomada cientista, que concilia um trabalho no qual é respeitadíssima e a criação de seu enteado (Jacob), cujo pai (atual marido dela) faleceu há pouco tempo. 

O longa "começa" de fato quando autoridades do governo aparecem na casa de Helen, e, junto com outros cientistas, levam ela para ajudar a interceptar um estranho objeto que está em rota de colisão com a Terra. Quando esse objeto finalmente chega, percebem que se trata de uma espécie de nave, cujo extraterrestre que surge dela é levado a uma base militar para se descobrir do que se trata essa "inesperada visita".

Um dos bons artifícios do filme é o seu roteiro. A história vai se delineando aos poucos, fazendo com que demoremos a entender qual a intenção desse alienígena na Terra, e quando finalmente descobrimos, as situações e os diálogos que envolvem o núcleo dessa trama são bastante plausíveis e verossímeis (coisa bem rara nesse tipo de produção). São momentos que evidenciam não somente o nosso descaso com o meio ambiente (sem que isso soe panfletário, é bom dizer), como também demonstram o quanto as autoridades, sejam militares ou governamentais, são, em essência, ridículos. 

No começo do filme, por exemplo, há cenas com todo aquele aparato bélico, típico de produções do gênero. Portanto, é até compreensível que se pense que "O Dia em que a Terra Parou" irá exaltar esse militarismo, mas, desde que o alienígena desembarca na Terra, ele consegue subjugar p armamento do exército com grande facilidade, mas, só reagindo quando a violência é aplicada a ele ou ao seu "guarda-costas", uma espécie de androide gigante, porém, evitando ao máximo que pessoas morram. 

Enfim, o que parecia ostentação de força do governo norte-americano no início, é desmanchado depois, num tom anti-bélico até bem crítico para um filme desse tipo.




E, como toda boa história de ficção científica tem que ser, temos aqui a demonstração da paranoia coletiva que toma conta da população, seja através de saques, aumento da violência ou até mesmo a procura exagerada pela religião. Claro, nenhum desses pontos é extremamente aprofundado (afinal, não estamos falando de um "2001" ou de um "Solaris", por exemplo). Porém, dentro das suas limitações, o roteiro de "O Dia em que a Terra Parou" no oferece um bom panorama de como a humanidade pode ser fraca quando está sob perigo iminente. 

Óbvio também que o alienígena Klaatu irá se deparar com um lado do ser humano que ele desconhecia, nas pessoas de Helen e Jakob. E, mesmo que esse ponto na trama seja bastante evidente desde o início, a construção dessa narrativa soa bem pouco forçada e até cativante, com Helen tendo o comportamento que se espera numa situação dessas, e ainda tendo que cuidar de uma criança, que, imatura, tem alguns preconceitos que vão sendo desconstruídos de maneira interessante ao longo da história, como o fato dele achar que a melhor solução para o problema é matar Klaatu.

Muito se fala da "inexpressividade" de Keanu Reeves como ator, mas, é inegável que ele tem carisma, e o extraterrestre Klaatu acaba sendo um ótimo personagem para ele, que, sem muito esforço, vai delineando bem um misto de frieza no início, com uma crescente amabilidade. 

Jennifer Connelly, sempre competente, faz de sua Helen alguém muito próximo a nós, com emoções genuínas, fazendo com que torçamos por ela. Jaden Smith também faz muito bem o seu Jakob, uma criança como outra qualquer, que é obrigada a passar por situações limite, aprendendo lições valiosas no percurso. E, Kathy Bates consegue transformar uma personagem antipática como a primeira-ministra Regina Jackson em alguém interessante para a trama, que até reconhece um pouco as limitações do governo do qual ela trabalha, mas, que se vê na obrigação de se manter arrogante, mesmo numa situação em que não somente as autoridades, mas, nós, seres humanos, somos os mais fracos da contenda. 

A parte técnica do filme é muito bem elaborada, com exceção de um ou outro CGI que, porventura, ficou mal-feito. Mesmo assim, os efeitos visuais aparecem no momento certo na hora certa, sem desviarem o foco da história. E, por fim, Scott Derrickson consegue comandar tudo com mão segura, não alongando "O Dia em que a Terra Parou" mais do que deveria.




Mesmo com tão boas qualidades, o filme peca bastante em seu desfecho. Tudo bem que tudo se encaminhava para que a história terminasse do jeito que terminou, mas, seria mais impactante se tivesse havido um pouco mais de ousadia. 

Óbvio que fica difícil quebrar convenções e paradigmas, principalmente, na Hollywood de hoje, mas, "O Dia em que a Terra Parou" ganharia mais com um final um pouco mais realista, mesmo que pessimista. Além disso, seria também muito interessante ter visto Klaatu debatendo com líderes do mundo todo, ao invés de apenas ter tido poucas conversas com a primeira-ministra norte-americana. 

Ainda assim, mesmo que não tenha ousado sair muito de sua zona de conforto, "O Dia em que a Terra Parou" oferece um ótimo entretenimento, ao mesmo tempo que toca em assuntos sérios, como a ecologia, o militarismo e o fanatismo religioso. E, só por isso, já é um filme válido de ser assistido.


NOTA: 7,5/10


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