dica de filme ("O Porco Espinho")


Dica de Filme

O Porco Espinho
2009
Direção: Mona Achache


Adaptação do romance "A Elegância do Ouriço" é uma simpática, mas triste, fábula sobre inadequação social

Alguns filmes são tão doces na forma, mas tão incisivos em seu conteúdo um tanto provocativo, que fica muito difícil não simpatizar com esse tipo de produção. São longas, em geral, bem simples, com histórias e personagens quase banais, porém, que conseguem transmitir uma reflexão tão certeira que dificilmente eles sairão das mentes de quem assiste. 

Um desses exemplares é o ótimo "Pequena Miss Sunshine". Outro, é este "O Porco Espinho", adaptação da obra literária da autora Muriel Barbery, "A Elegância do Ouriço".




Como toda obra desse tipo, podemos fazer duas análises bem distintas: uma que versa apenas sobre o filme em si, enquanto obra cinematográfica, e outra que faz uma inevitável comparação com a obra original (neste caso aqui, um livro). É certo dizer, em primeiro lugar, que "O Porco Espinho", como cinema, funciona muito bem. 

Direção e atuações estão na medida certa, e o enredo se desenrola sem pressa, mostrando nuances e detalhes de cada um dos três principais personagens da trama: a zeladora Renée, a esperta menina Paloma, e o sr. Ozu, um senhor rico e muito bondoso que cruza o caminho de ambas. Cada um com uma personalidade distintas, mas, complementares. Um dos aspectos que os unem, por exemplo, são as artes, em especial, a literatura.

No entanto, em comparação com o livro que lhe deu origem, o filme perde alguns pontos preciosos, pois deixa de lado certas sutilezas que "A Elegância do Ouriço" possui, principalmente, no que se refere a diálogos ácidos dos protagonistas, principalmente, de Renée. No filme há isso, mas, talvez, não com tanta força quanto no livro, o que é uma pena, pois se trata de um material bastante rico, tanto em termos de reflexão, quanto em se tratando de referências a diversas e maravilhosas obras artísticas. 

No entanto, esse tipo de detalhe só incomode (um pouco) a quem já leu a obra original, porque quem for apenas assistir ao filme, vai encontrar um cinema de primeira, e que, a despeito de não ter aprofundado mais o material em que se baseia, ainda assim, consegue passar a sua mensagem com vigor e clareza.




Sem dúvida alguma, o ponto alto do filme são as personagens Renée e Paloma, interpretadas com muita vontade por Josiane Balasko e Garance Le Guillermic. Amas as atrizes passam muita verdade em suas atuações, em cada fala, em cada olhar, em cada pequeno gesto. De fato, não somente acreditamos naquela singela e honesta amizade, como também ficamos fascinados pela inteligência e sagacidade de ambas, cada uma à sua maneira. 

Paloma, por exemplo, decidiu que quer se matar. Simples assim. Afinal, a sua família é repleta de pessoas que estão abaixo do seu nível de compreensão da realidade (a menina acha um absurdo, por exemplo, a mãe precisar fazer terapia e tomar antidepressivos para ser feliz). Já, Renée é arisca com boa parte das pessoas pelo mesmo motivo: sabe que elas estão abaixo do seu nível de compressão da vida.

Alguns momentos no filme são repletos de simbolismo, o que ajuda ainda mais a passar uma mensagem bastante forte contra a futilidade e a hipocrisia da sociedade atual. Num determinado instante, por exemplo, a mãe de Paloma está aos prantos por causa da morte de um senhor do prédio, bastante rico. 

Já, em outro dado momento, ela recebe a notícia da morte de alguém, aos olhos dela, "menos importante", socialmente falando, e não derrama uma lágrima sequer, numa clara crítica ao elitismo e à divisão de classes, que fazem uns serem "melhor avaliados" do que outros em termos de importância. Renée e Paloma, portanto, são meio que "párias" dentro de uma sociedade alienada e excludente, onde importa mais o "ter" do que o "ser". E, tudo passado de maneira muito bonita e sóbria por essas duas ótimas personagens.




Além de todos esse predicados mencionados anteriormente, o filme, mesmo que não tão incisivo quanto o livro "A Elegância do Ouriço", é um interessante compêndio de referências artísticas, onde a mais clara, a que salta mais aos olhos, é a respeito da obra "Anna Kariênina", de Leon Tolstói. Inclusive, a frase que abre esta obra ("Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.") permeia bastante do filme, visto que Renée e Paloma, e sob certos aspectos, o sr. Ozu, são seres "infelizes", pessoas fascinantes, mas, que acabam por serem "diferentes" demais em meio a tanta banalidade.

Um filme singelo, em essência, que não fala grandes e complicadíssimas coisas, mas, o pouco que diz pode ser considerado algo básico, essencial, e muito humano.


NOTA: 8/10


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