dica de filme ("Você Nunca Esteve Realmente Aqui")

Dica de Filme

Você Nunca Esteve Realmente Aqui
2017
Direção: Lynne Ramsay


A mesma diretora de Precisamos Fale Sobre Kevin subverte o subgênero de vingança, entregando um filme brutal, triste e violento

Muitos podem se enganar com a sinopse de Você Nunca Esteve Realmente Aqui, pois, de fato, parece mais um filme clichê do subgênero vingança, com altas doses de violência gratuita e sem sentido, apenas para saciar o sadismo dos cinéfilos de plantão (vide o recente remake de Desejo de Matar, por exemplo). Mas, não se enganem: a intenção aqui é outra. 

Afinal, estamos falando da cineasta Lynne Ramsay, que fez o aclamado Precisamos Falar Sobre Kevin, um baita estudo de personagem a respeito das causas da violência. E, é claro que ela nos entregaria com este novo trabalho algo acima da média.




E, o que temos aqui é a história de Joe, um homem extremamente recluso, de poucas falas e olhares tristes e perturbados. Aos poucos vamos sabemos no quê exatamente ele trabalho, e (o mais importante), acabamos conhecendo um pouco do seu passado. Mas, é apenas um pouco, pois Ramsay, sabiamente utiliza flashbacks muito curtos, que, a princípio, não dizem muita coisa, mas que montam o quebra-cabeças no final. 

Ao mesmo tempo, acompanhamos a jornada do protagonista em mais uma jornada, que mais parecerá um fardo. E, mesmo no tempo atual da ação, nada é dado de mão beijada para nós, espectadores. Tudo é lento, gradativo, propositalmente reflexivo.

Esse ritmo irregular, quase "parando" tem um propósito: ser anti-climático. Ramsay, claramente, não quer transformar o filme numa catarse da violência. Ao contrário: ela quer, junto com nós, o público, tentar entendê-la, tentar compreender como a violência física e psicológica se manifesta, às vezes, de manira tão brutal, tão irracional, e como certos traumas nunca cicatrizam (pelo menos, não da forma que realmente desejamos). 

Trata-se de um estudo não só de personagens, mas de situações, onde cada ato violento leva a outro, e onde o título do filme faz todo o sentido quando pensamos que, de fato, o protagonista nunca consegue estar onde deveria estar (fatos esses que causam mais do que uma mera frustração).




Porém, essa ousadia na abordagem de um subgênero tão popular e sem grandes novidades nos últimos anos também cobrou o seu preço aqui. O filme de Ramsay, mesmo magnífico na abordagem de seus personagens e das ações que reverberam a sua psiquê, peca em alguns furos de roteiro e na montagem, principalmente na resolução até "fácil" de algumas problemáticas, o que dá a sensação de incompletude. 

Mesmo assim, acaba sendo mesmo mais uma opção da diretora, ao que tudo indica, porque o foco da trama não é a ação, o mistério ou algo do tipo, e sim, como os seus personagens reagem à violência que lhes é imposta. Tanto é que Ramsay evita, ao máximo cenas de violência explícita (quando há mortes, é mostrado apenas os corpos caídos no chão, sem a glorificação de nada do tipo).

Como diretora, Ramsay continua precisa e ousada, mesmo com essas supostas falhas na edição e no roteiro, imprimindo um ritmo que, mesmo lento, coloca-nos imersos nessa trama pesada e perturbadora. 

Já, no campo das atuações, o que falar de Joaquin Phoenix, que já mostrou extremo talento em trabalhos anteriores do mesmo quilate? Aqui, ele permanece impecável, atuando com o mínimo possível, mas, com uma grandeza que salta aos olhos, principalmente numa determinada sequência na parte final do filme. Um dos atores mais brilhantes de sua geração, que já fez por merecer ter o seu talento um pouco mais reconhecido, diga-se.




Você Nunca Esteve Realmente Aqui é um baita filme, que pega um enredo básico dessas produções mais genéricas, e consegue dialogar a respeito de algo muito caro nos dias de hoje: a violência e as suas consequências. 

Se hoje temos a violência como justificativa para praticamente tudo, o filme de Ramsay vai além e nos mostra como a brutalidade sem limites afeta as pessoas e a sociedade como um todo, fazendo com que, rapidamente, qualquer lastro de inocência seja apagado, seja de uma menina de 15 anos, ou de um veterano de guerra. 

A violência, portanto, só é bonita em filmes estilizados de certos diretores, pois, na vida real, o que ela causa é de uma gravidade que tem deixado essa sociedade cada vez mais doente. Belo diagnóstico de Ramsay.


NOTA: 8/10

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