Dica de filme ("o beijo da mulher aranha")


Dica de Filme

O Beijo da Mulher Aranha
1985
Direção: Hector Babenco


Adaptação para cinema do belíssimo romance de Manuel Puig é um triste e poético estudo de personagens tão diferentes, quanto fascinantes

Nos filmes, uma boa história se faz, essencialmente, com bons personagens. Fato. Tudo bem que o autor da história pode tem um tremendo domínio narrativo, e contar uma trama de maneira bem redonda, sem grandes atropelos. Os efeitos visuais podem ser de cair o queixo de tão bonitos. A trama pode ser a mais inteligente possível, com reviravoltas mirabolantes a cada 15 minutos. Ou simplesmente os atores podem dar o melhor de si em interpretações excelentes. 

Muito provavelmente pouco ou nada disso vai surtir efeito prático para classificar um filme de bom se os personagens, em si, não forem minimamente interessantes sob algum posto de vista. E, aqui, em O Beijo da Mulher Aranha, temos não um, mais dois personagens interessantíssimos, e sob duas óticas distintas, mas que vão dialogar entre si em algum momento.




Esses personagens tão ricos são Molina, um homossexual preso por ter se relacionado com um rapaz menor de idade, e Valentin, um guerrilheiro que cumpre pena por terrorismo de estado. Ambos têm visões de mundo diferentes. Molina é uma pessoa doce, educada, sonhadora, que vive contando o seu filme preferido para Valentin. Este, por sua vez, é metódico, de atitudes brutas e ríspidas, mas, com um senso ético bastante sólido por sua missão. 

Nessa cela em que os dois estão presos, não são raros os momentos em que surgem conflitos entre Molina e Valentin, um acusando o outro daquilo que cada um considera o oposto de si, seja devido a uma militância que pode gerar uma grande paranoia, seja uma alienação que provoca o distanciamento dos problemas reais que vivemos.

No entanto, mesmo com pontos de vista tão díspares, esses personagens acabam por influenciar um o outro com suas respectivas formas de enxergar o mundo. Molina, em determinado momento, começa a entender melhor as motivações de Valentin, enquanto este acaba percebendo que a suposta "alienação" do amigo de cela também é uma forma de proteção contra a violência do mundo. 

O interessante é que temos, em paralelo, a "trama" do filme que Molina conta, e que, de alguma forma, tem íntima ligação com a "trama real", o que ocasiona uma interessante metalinguagem, onde o cinema explica o cinema. Por sinal, as estéticas das duas histórias são bem diferentes, justamente para mostrar o quão a ficção, por mais que tenha elementos reais, ainda assim, não conseguirá ser tão brutal quanto a realidade em si.




Importante frisar que O Beijo da Mulher Aranha, ao final, não toma partidos óbvios. Sim, a história possui uma forte carga política, muito por causa de Valentin, mas, a produção de Babenco também evoca de maneira muito bonita os devaneios de Molina. 

Então, o que temos não é, necessariamente, uma produção de cunho panfletário, ou sonhador, mas sim uma trama que traz a importância de enxergarmos o que alguém, aparentemente diferente de nós, tem de melhor. Molina e Vanlentin são personagens fascinantes justamente por causa disso: encontram no outro valores que acabam respeitando e tomando para si alguns dos seus pontos de vista.

Claro, para compôr personagens tão bons seriam necessários atores realmente talentosos. E, não é que temos isso também? Como Valentin, o saudoso Raul Julia está muito bem, em toda a sua rispidez, mas, ainda assim, não deixamos de entender os seus motivos. 

No entanto, quem consegue ser melhor ainda é William Hurt, como o magnífico Molina, numa atuação que lhe rendeu, merecidamente, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. A leveza e o respeito que Hurt emprega no personagem é algo tão bonito, natural e envolvente que fica impossível não nutrir um sincero apreço por ele. 

Conduzindo todos, temos um Babenco em plena forma, e sem o pieguismo que iria impregnar outro filme seu de prisão, Carandiru. Aqui, o cineasta tem completo domínio do que contar e quando contar. Belo trabalho seu.




Podemos dizer, sem nenhum exagero, que O Beijo da Mulher Aranha é um filme praticamente completo. Através de um drama de prisão, estuda de maneira riquíssima dois ótimos personagens, e, de quebra, ainda homenageia a sétima arte com uma estática toda particular. Uma produção, enfim, que tem grandes possibilidades de ficar na memória de muitos.


NOTA: 9/10

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