dica de filme ("A Balada de Buster Scruggs")

Dica de Filme

A Balada de Buster Scruggs
2018 
Direção: Joel e Ethan Coen


Os irmãos Coen voltam em grande estilo, num filme absolutamente engraçado, singelo e reflexivo a respeito da vida e da morte 

Os irmãos Coen sempre foram sinônimo de qualidade, mesmo em seus momentos menos inspirados, o que comprova a capacidade deles de permanecerem numa espécie de padrão, bem acima da média dos atuais realizadores de cinema. Por mais que a maioria dos seus filmes sejam absurdos, imersos em situações pra lá de nonsenses, suas produções têm mais a dizer do que aparentam na superfície. 

Dito isto, é interessante notar que o mais recente longa da dupla, A Balada de Buster Scruggs (produção exclusiva Netflix), aposta numa estrutura inteligente e bastante "esperta", composta de pequenos contos (como se estivéssemos lendo um livro), onde, de início, rimos dos absurdos habituais dos Coen, mas, ao poucos, vamos imergindo numa profunda, triste e, por vezes, muito bonita, analogia sobre temas como política, amor e obsessão, culminando em algo que podemos resumir naquele que é o eterno embate entre vida x morte.




Engana-se, porém, quem ache que o filme seja depressivo, tenso e pesado. Não. Ao contrário: mesmo quando aborda temas mais carregados, como no terceiro conto, ou mais simbólicos, como no primeiro e no quarto contos, os Coen possuem uma habilidade muito particular de dizer o que querem, mas de forma a serem entretenimento, e, principalmente, não subestimando a inteligência do espectador. 

São histórias que, aparentemente, vão por um determinado caminho, mas, seguem rumos inesperados (assim como a própria visa, e a sua eterna imprevisibilidade). Podemos dizer, com isso, que se trata de um dos trabalhos mais poéticos da dupla, e um dos mais sólidos em termos de narrativa (todos os contos são impecavelmente dirigidos, roteirizados, e produzidos).

E, mesmo diante de tantos subtextos, de tantas possibilidades escondidas nas entrelinhas de tramas, à primeira vista, bem diferentes entre si, este também é um filme bastante divertido dos Coen. Não divertido no sentido do mau gosto, ou do pastelão, porque os realizados também possuem um talento bem característico de pegar situações "nada a ver", e dar algum sentido a elas. Até a habitual violência estilizada que aparece na maioria de seus filmes é muito bem encaixada aqui e serve bem aos propósitos da trama. 

Nesse sentido, os dois primeiros contos são os melhores, os mais engraçados, os mais, digamos, "absurdos". E, mesmo nesses, os Coen conseguem dizer mais do que muitas comédias cabeçudas por aí, mostrando que eles continuam em ótima forma no que diz respeito ao equilíbrio de drama com comédia.




Porém, não é só no roteiro que os Coen acertam aqui, e sim, na direção também. Na verdade, a direção da dupla é um primor, desde os planos abertos, explorando ao máximo paisagens naturais, até em closes mais fechados nos personagens, fazendo com que nós, espectadores, tenhamos várias perspectivas de uma mesma história. Um domínio dos cenários e dos atores simplesmente perfeito. 

E, por falar nestes últimos, as atuações estão muito boas, nada que seja realmente magistral, mas, tão pouco, algo que seja descartável. Destaque para Tim Blake Nelson, como o amalucado personagem que dá título ao filme, e Zoe Kazan, como Alice Longabaugh, que protagoniza o penúltimo e excepcional conto ("A Garota Nervosa").

Porém, o que mais encanta em A Balada de Buster Scruggs é a forma como os irmãos Coen aborda cada tema e subtema dos contos de maneira precisa, sem apelarem para analogias fáceis ou metáforas rasteiras. Cada parte deste "livro" tem uma forma de contar a história, e todas acertam no alvo. Ao final, fazendo uma retrospectiva de o que se viu, parece que o que une os contos é uma forte mensagem sobre as imprevisibilidades da vida, cuja única certeza é a morte. 

Mas, mesmo com uma temática tão melancólica, o longa, além de demonstrar graça em muitos momentos, também mostra uma espécie de redenção, especialmente, no conto final, que nos diz de maneira bem sutil: nosso derradeiro destino será o mesmo para todos, portanto, não nos apeguemos a preconceitos, nem a pequenos e insignificantes problemas que a vida oferece. 




Com A Balada de Buster Scruggs, os irmãos Coen se consolidam mais ainda como os ótimos realizadores que são, e, de quebra, emplacam uma das melhores produções originais da Netflix em seu serviço de streaming. 

Um filme, em suma, muito delicado e sensível, que começa de uma maneira escrachada e quase surreal, para depois embarcar numa viagem metafórica bem interessante sobre as coisas mais ou menos importantes da vida, ao mesmo tempo que nos entretém com histórias muito cativantes e originais.

Um deleite absoluto para os cinéfilos que buscam vida inteligente no cinema atual.


NOTA: 8,5/10

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