dica de filme ("respire")


Dica de Filme

Respire
2014 
Direção: Mélanie Laurent


Até onde se vai em nome da paixão? Num filme típico de adolescentes (desses que o cinemão nos entrega a rodo a cada ano), esse pergunta, em geral, gera respostas bobas, embaladas em histórias agridoces, e que às vezes pouco ou nada têm a ver com a realidade de muito jovens. 

E, vez ou outra, surgem produções como "Respire", que tratam a adolescência não somente como rito de passagem, mas como um período onde as melhores (e, principalmente, piores) coisas acontecem na vida de alguém, o que irão determinar quem uma pessoa será no futuro.




A pergunta feita no início do texto não é uma mera figura de linguagem, pois, logo no começo do filme, somos transportados para uma aula onde se encontra uma das protagonistas, Charlie, cujo professor indaga: "Quando estamos apaixonados, somos mais ou menos felizes"? As divagações filosóficas propostas nessa aula já dão meio que o tom de que virá ao longo da trama. 

A vida de Charlie, que sempre teve amigos esporádicos, era bem retraída, e tinha problemas com seus pais, passa a ganhar novos contornos com a chegada no colégio de uma nova aluna: Sarah. Quase que instantaneamente Charlie se sente atraída por ela, e não é pra menos: Sarah, de fato, consegue seduzir quem está ao seu redor. Mas, até que ponto essa paixão irá chegar?

A atriz e diretora Mélanie Laurent (a eterna Shosanna de Bastardos Inglórios) não entrega um filme fácil. Ao contrário: a forma naturalista de sua câmera vai compondo os acontecimentos, que serão tão imprevisíveis para nós, quanto para as personagens. Somos tão seduzidos por Sarah quanto Charlie, ficamos tão tristes pelo relacionamento abusivo dos pais de Charlie quanto ela, e por aí vai. 

Numa construção muito bem feita de personagens, o filme nos deixa incomodados porque, desde o início, algo, aparentemente, não está certo, e isso pode reverberar de maneira bastante negativa depois. Tanto é que a própria Charlie se vê não numa espiral sem esperança, com a mãe sendo omissa diante dos abusos do pai, e ela, agora, ficando completamente entregue a uma paixão da qual se sente sufocada, mas não consegue se libertar.




O filme também se constrói através de alguns detalhes minuciosos, como o fato de Charlie sofrer de asmas, e, literalmente, ficar sufocada em alguns momentos da história. Em outros momentos, a direção engenhosa de Mélanie se dá ao luxo de construções narrativas interessantes, quando mostra Charlie e Sarah, lado a lado na tela, no momento em que uma delas descobre um importante segredo da outra. 

Porém, a grande força da trama está em como direção e roteiro vão alicerçando uma relação de paixão e dominação, onde o fato de estarmos falando de adolescentes (e, pior: adolescentes retraídas com um histórico familiar bastante ruim) só potencializa as consequências de atos, aparentemente, inofensivos, mas que se mostrarão altamente destrutivos.

Josephine Japy e Lou de Laage estão ótimas em suas composições de personagens tão díspares quanto Charlie e Sarah, dando autenticidade a cada ação, cada gesto, cada olhar. Composições simples, porém, muito eficientes dentro da proposta. 

A direção de Mélanie, por sua vez, pode parecer "desleixada" no começo (afinal, não temos nenhuma cena estática em todo o filme), mas, isso se mostra, com o passar do tempo, uma escolha acertada. É através da câmera "impaciente" da cineasta que passeamos pelas paisagens, e conseguimos nos conectar com aquelas personagens, numa imersão bem intimista. 

A edição também é algo que chama a atenção, por cortar as cenas naqueles momentos precisos, não alongando demais situações que não precisam ser estendidas.




Coincidentemente, Respire flerta um pouco com a temática de outro filme, mais ou menos, da mesma época, que é o arrebatador Azul é a Cor Mais Quente. Contudo, não se trata de serem produções idênticas, mas sim por abordarem a paixão feminina na adolescência, mesmo que o desenvolvimento e o desfecho de ambos sejam bem distintos. Respire, ainda assim, tem vida própria, mostrando um nítido talento dos seus realizadores. 

Sem contar o fato de que ele consegue falar de temas espinhosos, como relacionamentos abusivos e bullying, de maneira crua, triste e melancólica, ainda mais pelo fato de estarmos falando de personagens tão jovens, numa fase da vida em que desilusões e abusos podem deixar chagas fortíssimas (para o resto da vida). 

Filme forte.


NOTA: 8,5/10


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