DICA DE FILME ("SUSPIRIA")

Dica de Filme

Suspiria
2018
Direção: Luca Guadagnino



Refilmagem consegue, através de uma  abordagem mais tenebrosa e menos histriônica, ser um horror mais bem resolvido do que o filme original de Argento

Nenhum clássico precisa ser unânime, por mais "importante" que seja para determinado segmento. É o caso de Suspiria, de Dario Argento, por exemplo. Ovacionado por muitos como uma obra-prima do horror, ele é, na verdade, bem fraco, seja na intenção, seja na realização. O Suspiria de Argento é o tipo de obra onde a forma é construída com bastante exagero para não percebemos o quanto o seu conteúdo é pífio. 

Ao final, é um show de gritos e cores saturadas que dizem muito pouco, principalmente diante de toda a adoração que o filme conseguiu no decorrer das décadas. É quando chegamos a esta refilmagem aqui, que tinha tudo pra não dar certo (além do material original ser ruim, e o seu diretor, Luca Guadagnino, fez um trabalho pouco digno de nota recentemente, com Me Chame pelo seu Nome). 

Porém, incrivelmente, o temos é um ótimo filme.




Pensado e construído por cerca de 10 anos por Guadagnino, junto com a atriz Tilda Swinton, a produção amplia bastante os horizontes da produção de Argento, não soando como cópia. No entanto, uma coisa incomoda: o filme demora um pouco a engrenar. Passa-se mais de meia hora para que ele consiga unir trama e imagens de uma forma mais orgânica. Por sinal, o seu início é fraquíssimo, tentando imprimir uma aura de mistério pairando no ar pouco eficiente. 

A produção realmente passa a mostrar a que veio após uma cena em especial, talvez uma das mais chocantes de todo o longa, de um terror gráfico absurdamente perturbador. Depois disso, passamos, aí sim, a nos envolver com os personagens, em especial, com a jovem Susie, e sua professora de dança, a Madame Blanc. A relação estabelecida por ambas tem uma intrigante ambiguidade, aparentando ser uma "relação materna" em determinados momentos, para, em outros, sugerindo quase uma paixão carnal entre as duas.

Outros bons personagens têm destaque, enquanto a história vai num crescendo que mistura de forma natural o gótico, o gore, o sobrenatural, e até mesmo toques mais poéticos (em especial, no seu desfecho). Tudo embalado pela música etérea composta por Thom Yorke, do Radiohead (que, inclusive, embala uma das mais impressionantes sequências do longa, em um horror gráfico atordoante). 

O filme é dividido em 5 atos, mais um epílogo. 

Os dos primeiros, são, sem dúvida, os piores. Na ânsia de tentar um criar um clima de suspense, o diretor Guadagnino escolhe as piores cinematografias, os piores diálogos, e a pior narrativa possível nesses instantes iniciais. Somente quando o horror mais explícito surge é que, como se desperto pela própria aura maligna da história, o cineasta finalmente consegue construir uma narrativa envolvente, que causa estranheza, e que realmente tem algo a dizer (ao contrário do original de Argento, que era pura e vazia estética).




Como se não bastasse, o filme ainda tem um fundo político mais ou menos relevante para o enredo, onde a trama se passa numa Alemanha setentista fervilhando por conta das ações do grupo guerrilheiro Baader-Meinhof. 

Ressaltando que essa questão não chega a se sobrepor à trama principal, mas, é interessante ver como esses fatos históricos servem pra dialogar com os principais acontecimentos de Suspiria, onde os personagens parecem ser alheios aquela loucura, traçando uma espécie de barreira, um universo paralelo entre o sobrenatural, e o que estava acontecendo lá fora, na vida real. 

Isso tudo, é claro, além da ótima exploração do elemento da dança, que mais parece algo ritualístico ao longo da história, do que uma expressão artística em si.

Como estão as atuações? Digamos que Dakota Johnson dá conta do recado, mesmo que, de início, a sua Susie pareça um pouco insipiente na trama. Ainda assim, a atriz compõe bem a sua personagem, que vai ganhando camadas interessantes ao longo da narrativa. 

Mas, quem realmente mostra um baita talento é Tilda Swinton, que não somente interpreta a Madame Blanc de maneira brilhante, como também interpreta o terapeuta que investiga o desaparecimento de uma menina na companhia de dança, além de fazer, já no final, a decrépita e repugnante Mãe Markos, sob quilos e quilos de maquiagem. O restante do elenco mostra competência, mas nada comparável ao que Swinton faz. 

Já na direção, Guadagnino deixa de lado a pastiche de Me Chame pelo seu Nome, e mesmo que o início de Suspiria seja um tanto monótono, e pouco interessante, ao longo da trama, ele acha o tom certo, e o filme ganha muito com isso. Pra finalizar, a trilha sonora de Thom Yorke dá um clima soturno que favorece ainda mais a sensação de incômodo.




Mesmo que não seja excepcional, esse remake de Suspiria é instigante e ousado, conseguindo ser melhor em diversos pontos do que o original do qual ele foi inspirado. Só o fato de ter tentado uma abordagem nova, e conseguido entregar um trabalho com identidade, é um projeto que merece créditos. Agora, óbvio: não é um filme pra todos os públicos. 

É psicológico demais pra quem está acostumado ao terror fast-food da atualidade, e violento demais pra quem espera um filme que seja mais intuito e menos expositivo. Na verdade, está aqui uma produção que merece ser vista e revista, contanto que se deixe o filme original de lado (para evitar comparações desnecessárias). 

Uma boa surpresa do ano.


Nota: 8/10



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