DICA DE FILME ("À Beira da Loucura")

Dica de filme

À Beira da Loucura
1995
Direção: John Carpenter


Com total domínio de sua técnica, Carpenter nos apresenta um horror lovecraftiano autêntico, onde realidade e fantasia se mesclam de maneira perturbadora

Como diretor de cinema, John Carpenter pode ser considerado uma espécie de "engenheiro da sétima arte". Consegue explorar algumas das melhores vertente do gênero terror, juntando tudo de maneira única. Seja em uma produção slasher de serial killer (Halloween), seja um horror agoniante de extraterrestre (Enigma do Outro Mundo), Carpenter faz um cinema que não está preocupado em dar sustos baratos ou simplesmente meter medo em suas plateias. 

Em muitos dos seus melhores trabalhos, ele parece querer dialogar sobre temas para além do medo (ou, pelo menos, que reflitam sobre temores mais profundos de uma sociedade em decadência). Neste À Beira da Loucura, o cineasta eleva bem esse conceito, especialmente por se valer de alguns conceitos lovecraftianos para abordar a paranoia e a fuga da realidade. 




Já nas primeiras cenas, com o protagonista John Trent sendo levado para um manicômio, percebemos que o tom do filme, de alguma forma, será a insanidade (em qualquer nível possível). Quando começa a contar sua trajetória para um psicólogo, sua narrativa vai sendo contada em tela, com ele em busca de um escritor famoso e o mistério que ronda o seu desaparecimento. Trata-se de um primeiro ato gradual e até um pouco lento para uma produção do gênero, sendo mostrado sem pressa por um Carpenter ciente do poder dessa história. 

É um respiro necessário, até mesmo para vermos como o diretor desenvolve muito bem a trama, ao mesmo tempo em que ele tem a sagacidade de falar de alguns assuntos bem pontuais, como o preço da fama, o consumismo desenfreado e até o papel da arte no psicológico das pessoas. É um bem-vindo convite à reflexão, mesmo que esta seja, em essência, uma história de horror. Dos comentários mordazes de Trent sobre a padronização da literatura fantástica, aos personagens gananciosos que o cercam (ele próprio, uma pessoa bem pouco sociável e afável), À Beira da Loucura é um filme de imersão não somente na insanidade, mas, também na natureza vil do homem. 




Com o desenrolar da trama, o psicológicos dos personagens (e o nosso, por consequência) vai ficando cada vez mais instável e confuso, e é aí que a genialidade de Carpenter brilha mais, pois passamos a contemplar vários tipos de terror aqui, do body horror ao terror sobrenatural. Detalhe: em momento algum esses elementos se atropelam, e a tensão vai num crescente de perplexidade e cenas, ora gore, ora surreais, para, no terceiro e último ato, termos um clímax verdadeiramente instigante e assustador. 

E, mais uma vez, é importante destacar que, em nenhum momento, o filme se atropela nas suas próprias intenções. Sabe quando é hora de construir o suspense, quando é hora de chocar o público com uma cena mais nojenta, e quando, já imerso na loucura, poder até mesmo brincar com a metalinguagem do próprio cinema na excelente e enigmática sequência final. É quando a produção termina por questionar a nossa noção do que é real e do que é fantasia, e até que ponto a imaginação contida na arte está na nossa vida cotidiana, e vice e versa. 




Claro, ajuda muito, além da direção segura de Carpenter, um perfeito Sam Neil, cujo personagem começa sua jornada cético, e termina imerso na insanidade. O trabalho do ator é fundamental para fazer essa transição, especialmente, devido ao seu jeito mais contido, o que dá pra explorar bastante quando ele finalmente "explode". O restante do elenco (em especial, Julie Carmen) também manda bem nos seus papeis, apesar de não ser exigido muito deles em comparação a Neil. E, por fim, a trilha sonora, com linhas de piano que remetem, inclusive, a outro clássico do diretor (Halloween), é fundamental para deixar o clima mais inquietante. 

E, no final, o "engenheiro" Carpenter, mesmo num filme que não fez tanto sucesso quanto outros de sua carreira, mostra que dá, sim, pra fazer um terror interessante, instigante e com substância. Muito melhor, por sinal, do que outros diretores atuais que teimam em imitá-lo, mas que se esquecem do essencial: o horror que Carpenter mostra não está no gore ou no malabarismo de suas câmeras, e sim, na imprevisibilidade das ações do ser humano em face de uma ameaça muito maior do que ele. Até para fazer um filme de horror autêntico é preciso certa sensibilidade e bom gosto. 


NOTA: 8,5/10

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