DICA DE FILME ("A Língua das Mariposas")

Dica de filme

A Língua das Mariposas
1999
Direção: Jose Luis Cuerda


O fascismo pode corromper tudo (até a inocência das crianças)

Não é nem um pouco fácil preservar a pureza e a ingenuidade diante das mazelas que a humanidade pode acarretar. Guerras, conflitos, preconceitos, ignorâncias, intolerâncias... Tudo são coisas que batem de frente com o mínimo de bom senso, civilidade, esperança. É por isso que regimes autoritários, notadamente fascistas, detestam o conhecimento, já que, a partir dele, questiona-se. 

A partir do conhecimento e do aprendizado sem amarras, explicações simplórias não bastam. A partir dele, falsas autoridades e profecias caem por terra. Há, sim, quem odeie o conhecimento. E há quem o respeite. É essa forte mensagem que permeia o bonito A Língua das Mariposas, filme que faz um preciso recorte da Espanha pré-Franco. 




E é em um pequeno vilarejo espanhol que conhecemos Moncho, uma criança retraída, mas, muito esperta. Após conhecer o seu novo professor, Don Gregorio, passa a ter contanto com um mundo de conhecimentos e ensinamentos de todos os tipos (inclusive, alguns questionamentos morais). Os diálogos entre os personagens são simples, ao mesmo tempo que profundos, como quando Moncho pergunta ao velho mestre se pessoas boas vão para o Céu, e pessoas más vão para o Inferno. 

Por ser ainda muito pequeno, Moncho está num mundo de descobertas de todos os tipos. Quando bem quer, pergunta pelos cotovelos, faz reflexões interessantes, mas, no fundo, continua sendo uma criança descobrindo o mundo à sua volta. Um mundo, diga-se, que não será tão bom quanto ele imagina. O pai, e tantos outros do vilarejo, são militantes políticos pró-República, e, em pouco tempo, explodirá a Guerra Civil Espanhola, com consequência terríveis. 

Mesmo com um tema de fundo tão pesado, o filme se mostra leve e descontraído 99% do seu tempo. Pelos olhos de Moncho, vamos conhecendo um pouco dos habitantes daquela cidade, seus anseios, suas personalidades, suas ações (algumas vezes, desagradáveis, outras vezes, terríveis), mas, sempre com um ar de inocência inerente a uma criança. Um ar que vai permear até mesmo a última cena do filme, quando, um sopro de esperança atinge o espectador. Mesmo que, sutilmente, o conhecimento, de alguma forma, venceu o autoritarismo e a ignorância. 




O título do filme, inclusive, não é por acaso. Um dos primeiros ensinamentos que Don Gregorio passa em suas aulas para as crianças é justamente o modo como as mariposas se alimentam, e como, a partir disso, são importantes para o equilíbrio da natureza, já que ajudam na polinização das plantas. O que não deixa também de ser simbólico, já que o trabalho polinizador desses insetos se assemelha muito ao dos professores, que "distribuem conhecimento" aos seus alunos. 

Mas, não para por aí, pois, é na já mencionada sequência final que esse aprendizado tão puro e singelo vem à tona, num momento que resume bem a força de todo o filme. Um instante que diz muito nas entrelinhas, seja naquela época, seja nos dias de hoje, seja em qualquer lugar do mundo. Não deixa de ser uma mensagem subversiva, ao mesmo que muito bonita. E pertinente. Uma produção com forte carga política sem ser didática, com um baita discurso nas entrelinhas. 




Delicadamente conduzido por José Luis Cuerda, e muito bem interpretado por seus atores (em especial, o menino Manuel Lozano e o veterano Fernando Fernán Gómez), A Língua das Mariposas é uma ode a tudo de mais importante, bonito e necessário que se possa imaginar. A inocência infantil, ao conhecimento, à justiça... Num pequeno momento de sua projeção, contudo, o filme gera muita revolta. É compreensível. Talvez, para mostrar que é sempre preciso ficar atento, pois o autoritarismo sempre pode estar à espreita sem que saibamos. 


NOTA: 8/10

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