Dica de Filme ("Amigas de Colégio")

Título: Amigas de Colégio
Ano de lançamento: 1998
Direção: Lukas Moodysson


Primeiro longa do talentosíssimo Lukas Moodysson mostra como abordar um tema delicado sem ser pesado

Temáticas LGBT's são geralmente complicadas de abordar no cinema. Muitas vezes, a questão é exposta de maneira bastante dramática, chegando às raias da tragédia. Em outras tantas vezes, o assunto é mostrado como uma comédia, só que de maneira tão caricatural, que fica quase impossível identificarmos que os personagens realmente sejam "reais". Quando se evoca a respeito da sexualidade na adolescência, então, está aí uma mistura que poucos cineastas mostram uma mão boa para explorar. 

Não é o caso do diretor sueco Lukas Moodysson, que, com seu primeiro trabalho em longa-metragem, já mostrava algo que seria, de certa forma, constante em sua carreira: a forma simples (porém, humana e respeitosa) de abordar a juventude de sua época. Os personagens de seus filmes se comportam com autênticos jovens (para o bem e para o mal), e é a partir dessa abordagem quase documental que ele consegue abordar temas de diversos tipos sem parecer pedante ou didático. 

Amigas de Colégio tem essa energia, sendo um filme bem cativante, e nunca perdendo o foco daquilo que quer expôr para o público: a dificuldade dos jovens com algo que deveria ser bastante simples de ser encarado, caso não fosse o preconceito tosco de uma sociedade (ainda) muito atrasada. 




Não se engane com o título nacional capenga que dá a entender que se trata de um "inofensivo"  filme da sessão da tarde, muito menos o título em inglês (Show me Love), que passa a impressão de ser mais um daqueles romances clichês e sem identidade. O nome original do filme é Fucking Åmål. Só pra constar: Åmål é a cidade onde a dupla de protagonistas mora, e que representa bem as inseguranças, conflitos e preconceitos pelos quais elas irão passar. 

Um sonoro "Foda-se Åmål" é, na verdade, um baita recado (direto, curto e grosso) para tudo o que atrapalha a vida das pessoas de viverem melhor. Pode ser adaptado perfeitamente para um "Foda-se o seu preconceito", "Foda-se a sua apatia", "Foda-se tudo o que não te faz feliz". E é esse justamente o espírito do filme: uma produção com alma jovem, com uma perfeita trilha sonora, e um senso de urgência em querer viver o hoje. 

Um dos grandes méritos de Fucking Åmål é tratar os jovens como eles são: inseguros, muitas vezes imaturos, mas também com questionamentos corretos a respeito da vida. Nada extremamente profundo, e tudo desconcertantemente cru e honesto. Porque, sim, nós estamos falando aqui de pessoas que saíram da infância e estão na adolescência, e que se comportam como tal. Ou seja, gente real, que dá pra se encontrar ali na esquina. 



  
Diante dessa simplicidade, o filme consegue caminhar por temáticas de maneira bastante natural. A primeira, e mais clara aqui, é a questão da sexualidade, e dos tabus e preconceitos que esse assunto ainda traz à tona. Interessante que, nesse aspecto, Moodysson consegue denunciar sem ser panfletário, pois, a história segue um caminho tão espontâneo que, quando percebemos, um pequeno aspecto da homofobia acontece, e o recado é dado com muita propriedade. 

Porém, além disso, o diretor também consegue adentrar em outras searas, mesmo que de maneira sutil, como a questão do abandono parental, a incapacidade de alguns pais em entenderem seus filhos, a futilidade do culto à imagem, a apatia das pessoas que consomem qualquer coisa que a mídia oferece (mesmo que seja um inútil programa de TV), o machismo que impera principalmente entre os mais jovens, e por aí vai. Tudo de uma maneira, muitas vezes, direta, sem floreios. 

Só que é no campo da sexualidade que o filme mais tem a dizer, seja mostrando uma menina que tem plena ciência dos seus desejos, mas que não consegue se adaptar ao microcosmo de uma pequena e banal cidade, seja uma garota que se entrega ao culto de sua própria imagem de popular para esconder seus sentimentos mais profundos. É nessa convergência que surge o que de mais bonito Fucking Åmål tem a mostrar: a superação de duas jovens, aparentemente diferentes, mas com desejos similares, e que terão que dizer um "Foda-se" caso queiram viver momentos mais intensos e sinceros. 





Tudo aqui, por sinal, ajuda para que o filme seja muito bom. A direção esperta, sagaz e sensível de Moodysson, a trilha sonora contagiante de rock alternativo, a estética meio Dogma 95, com imagens bem artesanais e em filtro, e claro, a dupla de atrizes principais (Rebecka Liljeberg e Alexandra Dahlström), que conseguem fazer com que nos importemos com aquelas personagens, passando bastante carisma em suas atuações. 

Em termos de temáticas LGBT's, existem filmes de diversos tipos, dos mais trágicos, aos mais cômicos. Só que é bom encarar a simplicidade desconcertante de um Fucking Åmål de vez em quando. Não que essa parcela da população não sofra preconceitos e violências bem piores na vida real, porém, Moodysson mostra que têm consciência desses problemas. Apenas preferiu algo que fugisse dos padrões (especialmente no desfecho do filme). 

E essa abordagem, acreditem, passa um recado bastante poderoso.

Fodam-se os preconceitos!


NOTA: 8,5/10


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