Dica de Filme ("Festa de Família")

Título: Festa de Família
Ano de lançamento: 1998
Direção: Thomas Vinterberg


Muito da sordidez humana reunida numa única família

Por mais que não "queiramos", alguns filmes são hipnotizantes. Não querer no sentido de que o que estamos vendo em tela é sujo, sórdido, podre, absurdo. Mas, ainda assim, continuamos a assistir. Isso porque, nos melhores momentos do cinema, quando a história é ótima e a sua condução possui uma energia fora do comum, por mais que a trama seja densa e pesada, o seu desenrolar nos interessa. Principalmente quando essa densidade inclui a queda das máscaras sociais em meio a uma elite que sempre se acha intocável. 

Festa de Família tem isso, e muito mais. 




Desde o início do longa fica um pouco evidente que algo não está certo com a família do patriarca Helge. É nesse momento, ainda nos minutos iniciais que conhecemos o reservado Christian e o boçal Michael, irmãos que estão indo para a celebração dos 60 anos do pai deles, o Helge. Convidados vão chegando à mansão do magnata, entre elas, sua outra filha, Hèlene. 

Pessoas se juntam para as festividades, mas, é no microcosmo de alguns núcleos que vamos percebendo coisas sórdidas no ar, desde um marido que maltrata a esposa de todas as formas, a Hèlene, que encontra uma carta de sua irmã morta recentemente. São instantes importantes que servem para compôr um panorama nem um pouco saudável de uma família com demônios internos e esqueletos no armário. 

E, essa é somente uma pequena amostra do que está por vir. Aos poucos, temos um turbilhão de emoções e situações verdadeiramente pesadas, e que são tratadas de maneira bem angustiante pela câmera do diretor, que, seguindo os preceitos do movimento Dogma 95, ao qual este filme está inserido, é bastante crua, com uma energia que lhe mantém no foco da ação. Perturba, mas instiga o espectador a continua assistindo. 




A trama, por si, já é bem delicada, porém, Vinterberg aproveita para expôr críticas ferozes à elite que envolvem desde a questão do abuso em todos os níveis até o racismo. Nada é gratuito aqui, e tudo tem um motivo pra ser inserido na história. Especialmente, quando se trata de questionar a hipocrisia diante de situações que, entre pessoas normais, deveria gerar revolta. 

Porém, o filme não se limita a ser moralista. Ao simplesmente expôr as mazelas daquela família, o diretor parece fazer uma analogia com a sociedade como um todo, indo do micro ao macro? Não seríamos nós preconceituosos também, e até mais caso fôssemos isentos de consequências? Também esconderíamos os podres de nossos "entes queridos" em prol de uma fachada social confortável?

Talvez uma das melhores definições para Festa de Família seja a palavra desconforto. Mas, não aquele desconforto vazio e autoindulgente de quem se acha gênio sem ser (Gaspar Noé e Von Trier são "mestres" nisso). Aqui, a questão abordada é mais complexa, e por isso mesmo, mais brutal do que qualquer pseudoterror feito meramente ´pra chocar. O que o debut de Vinterberg nos proporciona é uma baita reflexão social sem filtros, e perfeitamente consciente do que quer passar.




O tom documental e as interpretações genuinamente naturais de atores desconhecidos ajudam demais na construção desse panorama aterrador de uma família polida por fora e deteriorada por dentro. Junte-se a isso a habilidade de Vinterberg em conduzir a trama como ora como um drama, ora como um suspense, ora como um terror (com espaço até para alguns momentos oníricos dentro das limitações de execução). 

Um filme cruel, mas, que não é sádico. Aqui o sofrimento dos personagens é palpável, e mostra que a sordidez do ser humano pode ser encontrada em qualquer lugar, independente de classe social ou parentesco. Assustador. E poderoso. 


NOTA: 9/10


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