Dica de Filme ("No Limiar da Vida")

Título: No Limiar da Vida
Ano de lançamento: 1958
Direção: Ingmar Bergman


Um pequeno (mas, preciso) recorte a respeito dos dilemas do parto sob um olhar feminino e empático de Bergman

Ainda hoje, muito do que é feito no cinema é realizado sob um olhar masculino. Até mesmo filmes protagonizados por mulheres, ou dirigido por elas, por vezes, insistem nesse caminho unilateral. É como se somente os homens tivessem dilemas filosóficos e existenciais, e a elas, caberia o papel da companheira compreensiva, da mãe lutadora, e por aí vai. 

Por isso tudo No Limiar da Vida é um filme um tanto "desconcertante". Não que ele faça algo de errado no retrato que pinta de suas protagonistas (longe disso). É que, até mesmo, para o cinema atual, o longa de Bergman tem algo de subversivo e humano ao mesmo tempo, ao mostrar dilemas femininos mais profundos e intensos. Se nesses dias, essa abordagem sensível pode causar certa estranheza, imagine há mais de meio século atrás?




Basicamente, temos três personagens aqui: Hjördis, Stina e Cecilia. E, ao redor delas, personagens secundários transitando de maneira que todos se complementam para que Bergman possa traçar um pequeno mosaico dos problemas que afligem as mulheres, especialmente, durante a gravidez e o parto. Uma perdeu o bebê, e está decidida a se separara do marido por ter certeza de que ele não a ama. Outra, está grávida de poucos meses, porém, o pai da criança não está disposta a assumí-la. E, por fim, uma que está prestes a entrar em trabalho de parto e se encontra feliz com a situação. 

É com essas três personagens que o diretor sueco vai desenvolvendo um panorama da vida delas, ao mesmo tempo, particular e universal (e sob um olhar feminino, ou, no mínimo, com empatia diante dos dilemas delas). O que não significa dizer que Bergman demonize os homens. De jeito nenhum. Existe o marido de Hjördis, que se mostra fraco para compreendê-la, e que talvez, de fato, não a ame. Há também o pai da criança que Cecilia espera e que não pretende assumir nenhuma responsabilidade. E, temos o marido de Stina, um homem gentil, que "entrou" no papel de pai. 

É na interação das três protagonistas do filme que vamos conhecendo esses e outros detalhes da vida delas, o que pensam, e por aí vai. E, tudo não se limitando apenas a questões como "mulher nasceu para ser mãe", ou qualquer outro clichê do gênero. Bergman faz questão de humanizar essas personagens. E, humanizando-as, provoca questionamentos bem pontuais, especialmente pelas falas de Cecilia. Questionamentos, esses, com um olhar bem atual (e por que não dizer feminista?). 




Propositalmente, o filme tem apenas o hospital como locação. Na maior parte do tempo, inclusive, o cenário é única e exclusivamente o quarto onde Hjördis, Stina e Cecilia estão instaladas. Essa "economia" de ambiente é providencial, pois foca ainda mais nos dilemas das personagens, fazendo com que o espectador seja cada vez mais íntimo delas e de seus problemas. 

Vale salientar também que No Limiar da Vida "chocou" alguns espectadores à época por mostrar os preparativos de um parto de maneira um tanto crua. Inclusive, meio que denunciando algo que viria a ser combatido amplamente nos dias atuais: a violência obstétrica, com médicos e enfermeiros tratando as dores de uma mãe prestes a parir como algo comum e, principalmente, de maneira fria e distante. Contudo, até nisso, Bergman teve a sensibilidade suficiente para mostrar outra personagem enfermeira que é o oposto: atenciosa e mais empática às suas pacientes. 




Podemos considerar, contudo, que o maior defeito do filme é o seu término, que é um tanto quanto abrupto. Sim, todos os dilemas possíveis já tinham sido bem explorados até ali, bem como as suas respectivas "conclusões". Mas, talvez, tenha faltado algo mais forte e menos seco no final, apesar de que, de uma forma ou de outra, é um desfecho satisfatório.

O trio principal de atrizes está ótimo, e consegue passar bem as sutilezas de cada uma de suas respectivas personagens, especialmente, Ingrid Thulin, que interpreta Cecilia. A direção de Bergman investe bastante nos closes, nos olhares e nos gestos em geral, até mesmo porque o espaço é limitado. Os diálogos, a cargo do roteiro (escrito pelo diretor) também passam toda a carga dramática que cada momento exige. 

Baseado no conto Det vänliga, värdiga, da escritora sueca Ulla Isaksson, Bergman conseguiu traçar um pequeno, mas importante, panorama sobre os problemas advindos da maternidade (neste caso, apenas no início dela), e que muitos homens ignoram. Um filme simples, porém, com a dimensão necessária para resistir ao tempo, e fazer refletir sobre dilemas essencialmente humanos. 


NOTA: 8/10

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