DICA DE LIVRO ("ADMIRÁVEL MUNDO NOVO")

Dica de Livro


Título: Admirável Mundo Novo
Ano de lançamento: 1932
Direção: Aldous Huxley


A estabilidade como forma de controle numa das mais influentes e poderosas distopias do século XX

"Esse é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar". 


Algumas das distopias desses últimos 100 anos têm sido prodigiosas ao mostrarem um mundo marcado pela opressão, desde o clássico "1984" ao recente "O Conto de Aia". 

Como uma espécie de alerta bem fundamentado, essas obras mostram que o perigos, muitas vezes, está em pequenos detalhes que irão causar algum ponto de ruptura, quando, devido a severas instabilidades, algo acontece e somos tomados por algum governo que nos impõe até a forma de pensarmos e sentirmos algo. 

Condicionamento e estabilidade são dois termos que se aplicam bem a "Admirável Mundo Novo", outras destas distopias que teimam em nos dizerem como seria um mundo governado por valores que muitos ainda querem impor. E o faz de maneira brilhante (e angustiante).  


"Não queremos mudar. Toda mudança é uma ameaça à estabilidade. Essa é outra razão que nos torna pouco propensos a utilizar invenções novas. Toda descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva: até a ciência deve, às vezes, deve ser tratada como inimigo possível. Sim, a própria ciência".

Ao propor um mundo moderno, "civilizado", onde as pessoas são literalmente fabricadas em laboratórios, e têm seus impulsos mais íntimos controlados através de drogas, Huxley questiona não somente a ciência sem ética, mas, todo e qualquer fundamentalismo, já que crenças religiosas também são devidamente criticadas quando em determinado momento do livro. 

Além disso, só a possibilidade de um condicionamento de castas, onde cada um, ainda como embrião, está sendo programada para servir a determinada engrenagem do sistema, já é suficientemente assustador, e o autor descreve com minúcias essas perspectivas. 

Uma das qualidades da escrita de Huxley é nos fazer imergir naquele mundo, mesmo que ele pareça fantasioso demais, ou que não saibamos nada a respeito das classificações usadas naquela sociedade (Alfas, Deltas, Gamas, Ípsilones...). Isso fica muito nítido nas páginas iniciais, onde é descrito como os laboratórios daquele lugar "produzem" e condicionam as pessoas, antes de nascerem.  

O decorrer da narrativa nos mostra algumas inevitáveis perturbações daquele, com alguns personagens questionando aquele estilo de vida limitado a fazerem e sentirem apenas o que lhes foi ensinado. 

Mesmo que esses acontecimentos pareçam óbvios à medida que avançamos na trama, a forma ora ingênua, ora mordaz, como Huxley descreve tais situações é bastante envolvente, forçando o leitor (positivamente) a ir adiante. 


"Cremos nas coisas porque somos condicionados a crer nelas. A arte de encontrar más razões para aquilo em que se crê por outras más razões, isto é a filosofia. As pessoas creem em Deus porque foram condicionadas para crer em Deus". 

Como toda boa distopia, "Admirável Mundo Novo" não se atém a somente mostrar um ambiente estranho e desconhecido aos leitores, mas, uso de vários artifícios para questionar de maneira precisa muitos pontos que parecem atemporais: a busca pela estabilidade social e emocional, a questão do livre arbítrio, o poder do condicionamento e da falta dele, etc. 

Tudo devidamente colocado na personalidade de cada um dos personagens, especialmente do inquieto e estranho (aos olhos dos demais) Bernard e o John, o "Selvagem" que tanto intriga a sociedade daquele "admirável mundo novo", e que domina a trama assim que entra na história. 

É certo também que em raras ocasiões Huxley se alonga um pouco demais em alguns detalhes, e a narrativa perde um pouco de fluidez. Algo que é readquirido imediatamente depois. Já em outros momentos, a catarse de alguns acontecimentos toma conta de maneira inquietante.


"... é bem o modo dos senhores procederem. Livrar-se de tudo o que é desagradável, ao invés de suportá-lo. É mais nobre para a alma sofrer os açoites do azar e as flechas da fortuna adversa, ou pegar em armas contra um oceano de desgraças e , fazendo-lhes frente, destruí-las... Mas os senhores não fazem uma coisa nem outra. Não sofrem e não enfrentam. Suprimem, simplesmente, as pedras e as flechas. É fácil demais". 

Ao contrário de "1984", que viria anos depois, a opressão retratada em "Admirável Mundo Novo" é mais sutil, e menos "ditatorial", mas nem um pouco desprovida de crueldade. As justificativas de atrocidades cometidas em ambas as histórias são praticamente as mesmas: necessidade de estabilidade, de equilíbrio. 

Valendo-se da literatura e da filosofia, além de conhecimentos ancestrais, Huxley produz uma narrativa rica e fascinante a respeito de um mundo onde o admirável não passa de um controle que, em tese, visa uma vida mais harmoniosa, mas que tolhe até mesmo aquelas pequenas liberdades do dia a dia. Onde o que sobra são pessoas robotizadas, condicionadas a cumprirem um papel social. 

Um verdadeiro terror em forma de distopia. 


Nota: 9,5/10

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