DICA DE FILME ("SEM RASTROS")

Dica de Filme


Título: Sem Rastros
Ano de lançamento: 2018
Direção: Debra Granik


 Drama sobre relacionamento de pai e filha mostra como traumas do passado moldam nossa percepção do presente, mesmo que a intenção seja apenas proteger o ente querido


Relações paternas são constantemente retratadas no cinema sob diversos ângulos. Alguns de forma mais escancarada e outros de maneira mais intimista. Geralmente, os que se arriscam pela segunda opção funcionam melhor. Como é o caso do recente "Sem Rastros", que na sua uma hora e meia de duração mostra uma relação de afeto muito palpável entre pai e filha, mas que, ao mesmo tempo, está cheia de incertezas e traumas que afetam mais um lado do que o outro. 

"Sem Rastros" é um daqueles ótimos filmes que vão nos mostrando detalhes daquelas situações aos poucos, sem pressa, apenas expondo um pouco do cotidiano dos personagens. E, a partir de pequenos gestos e falas, vamos deduzindo o que está acontecendo ali, qual a relação entre os personagens e mais ou menos o porquê deles estarem naquela situação. Pode parecer meio arrastado de início, mas é proposital e importante que entendamos o dia a dia daquele pai e sua filha, para depois descobrirmos (ou supormos) o que pode ter acontecido num passado não muito distante. 




Essa construção de narrativa não é tão fácil assim de fazer, especialmente porque se escora num núcleo de personagens muito pequeno (neste caso, apenas dois), e temos que simpatizar com sua jornada. Felizmente, a composição de Will e de sua filha Tom é bastante crível, não possuindo grandes arroubos dramáticos, mas também envolvendo o espectador aos poucos, chegando ao ponto de torcermos por eles, mesmo sem saber exatamente qual a problemática que se encontra em suas vidas. 

Ao mesmo tempo, o roteiro do longa (escrito pela diretora Debra Granik junto com Anne Rosellini) aproveita a jornada um tanto quanto conturbada de Will e Tom para falar de temas sociais mais abrangentes, como inadequação em grupo, depressão, a chegada da adolescência, e por aí vai. Nada tão aprofundado, nem expositivo, o que é bom, pois permite que nos concentremos mais na trajetória dos protagonistas, identificando alguns desses temas pontualmente na vida pessoal deles. 

"Sem Rastros" acaba sendo uma espécie de estudo de personagem feito a partir de outro, e vice-versa. Em outras palavras: a interação de Will com Tom diz muito sobre ele, ao mesmo tempo que a relação dela com o pa diz muito a respeito da menina. Enquanto ele parece estar fugindo de algo, tentando exorcizar algum demônio do passado, ela entende a angústia do pai, mas também percebe que não está na mesma situação que ele, e quer ter uma vida diferente. 




Um dos maiores pontos positivos do filme está justamente na relação de pai e filha, que é muito bonito, mas sem descambar para o piegas ou para algo mais forçado. Como o roteiro pretende falar de outros assuntos tendo como base as interações entre Will e Tom, era essencial que essa relação parecesse verossímil e funcionasse em tela (algo que acontece muito bem). 

E, isso só foi possível, em muitos aspectos pela conjunto dos realizadores, das roteiristas à diretora, mas, principalmente, pela dupla de atores principais. Ben Foster e Thomasin McKenzie mostram bastante naturalidade em suas interpretações, fazendo com que compremos a ideia de que são pai e filha imersos naquela relação bonita de cumplicidade e carinho, mas, que terá muitos e inevitáveis conflitos. Em muitos momentos, ambos os atores não precisam dizer nada. Só a expressão facial deles diz tudo.

E, como estamos falando de um filme que se passa em ambientes externos boa parte do seu tempo, a fotografia e as locações precisavam ser muito competentes. O bom é que, de fato, são. Isso faz com que nos sintamos naqueles locais, com todos os seus eventuais perigos, ao mesmo tempo em que carregam um fascínio pelas belezas naturais dali. 



"Sem Rastros" é um filme simples e modesto, e que, por isso mesmo, carrega muita coisa positiva pra quem se dispõe a pincelar suas nuances, seus detalhes e suas pequenas mensagens. Uma forma delicada de passar assuntos já tão desgastados em outras produções, mas que, aqui, pela sensibilidade e carisma de seus protagonistas, mostra grande quão interessante e bonita pode ser uma história de pai e filha em meio a situações nas quais precisam reforçar seu apreço um pelo outro. 


 Nota: 8,5/10


Comentários