DICA DE SÉRIE ("MARE OF EASTTOWN")

Dica de Série


Título: Mare of Easttown
Ano de lançamento: 2021
Direção: 
Craig Zobel


 Os demônios internos das relações humanas no microcosmo de uma cidade pequena, onde muitos se escondem sob a fachada de cidadãos acima de qualquer suspeita 


As relações humanas em cidades pequenas, onde todos se conhecem, e há certo acordo tácito entre os moradores dali para ninguém ultrapasse certos "limites", já foram muito bem retratadas em vários filmes e séries de TV (um bom exemplo disso é o fenomenal "Sobre Meninos e Lobos"). O mais recente exemplar a apostar em dramas similares no universo do audiovisual é a minissérie "Mare of Easttown", presente na HBO, e que faz jus à qualidade dos melhores exemplares desse rede televisiva. 
 
A Mare do título é uma investigadora de polícia (incrivelmente interpretada por Kate Winslet), que possui um passado trágico, e que, pra lidar com isso, fechou-se em si, ganhando uma fama de durona e ríspida, pela qual é hostilizada por certos moradores do local e até pela própria família. A cidade, em paralelo, está passando por um total descrédito das autoridades, devido a um sequestro ainda não resolvido, o que se agrava com outros acontecimentos que irão colocar Mare e outros habitantes de Easttown no limite do esgotamento físico e mental. 




A minissérie começa muito bem, ambientando o espectador aquele local, tendo como foco Mare, mas, não se restringindo a ele, mostrando também outros personagens e seus dramas particulares, como uma jovem mãe que precisa ter que lidar com um pai violento e o ex-namorado irresponsável, e uma mulher que possui um irmão viciado em drogas, e que, vez outra, é pego nas redondezas roubando a casa dos moradores. Sem contar uma senhora cuja filha foi sequestrada há mais de 1 ano, e culpa a polícia (especialmente Mare) pela não solução do caso. 

A própria Mare tem seus problemas familiares, especialmente por conta de seus parentes, que não conseguem lidar com o jeito fechado dela, o que provoca inúmeros atritos ao longo da trama. O bom é que a abordagem de certos temas é feita de maneira contida, correta e responsável, sendo pincelados de maneira pontual, mas, sem explorar esses assuntos como uma mera muleta narrativa. É o caso da questão do vício de drogas, por exemplo, que permeia alguns dos momentos mais importantes çda história, mas, sem ser tratado de forma leviana. 

Contudo, fora outros temas interessantes (e até importantes) abordados no roteiro da minissérie, um assunto que é bem recorrente é a questão da maternidade, mais precisamente a relação conflituosa entre as mulheres e seus filhos, sejam eles bebês, adolescentes ou até mesmo adultos. São esses conflitos familiares que darão bem o tom da trama, mesmo que a espinha dorsal da história sejam as investigações de Mare relativas a um novo e tenebroso caso que acabou de acontecer na cidade. 




Inclusive, é preciso elogiar o roteiro, que evita a todo o custo exposições baratas ou soluções mirabolantes para o desenrolar da história. O suspense que permeia a trama, transformando a história muitas vezes num thriller policial, é bem dosado, sem ser espalhafatoso, com as pistas do que aconteceu sendo plantadas aos poucos, e até mesmo sabendo dosar bem a dúvida na cabeça do espectador (até o último episódio, diga-se). 

E, mesmo assim, a minissérie não esquece o lado humano das relações ali presentes, abordando de maneira bem digna amores, desencontros, frustrações, remorsos e culpa. Apesar de Mare ser a protagonista, todos os personagens aqui são importantes em maior ou menor grau, e todos têm seus próprios dramas e conflitos, o que deixa a história ainda mais rica e interessante. 

Em aspectos de produção, a minissérie é superlativa em diversos níveis. O roteiro de Brad Ingelsby é excelente ao não subestimar a inteligência do espectador, sabendo abordar dramas pessoais muito íntimos em meio a um suspense, muitas vezes, claustrofóbico. Já a direção de Craig Zobel, que comenda todos os episódios, é segura, sem se deixar levar por soluções fáceis. 





Contudo, o grande destaque está mesmo no elenco, que está sensacional. A começar por Kate Winslet, que faz uma personagem muito amargurada por dentro, e que se fecha pra tudo e todos sob uma carapaça durona e intransponível, mas, que esconde grande sensibilidade e um triste complexo de culpa. A atriz é primorosa ao compor essa personagem com nuances que vão do olhar a outros gestos, sem, muitas vezes, precisar dizer uma palavra sequer. 

Outros atores fora Kate também merecem destaque, como Evan Peters, cujo personagem cresce bastante no decorrer dos episódios, Arroz Angourie, que interpreta de maneira muito autêntica a filha de Mare e que também possui um complexo de culpa muito grande, e Jean Smart, que faz a mãe da protagonista, sendo responsável por alguns poucos alívios cômicos muito bem dosados, sem parecer forçado. De resto, todo o elenco se sai muito bem em seus respectivos papéis. 

"Mare of Easttown" é a prova de que, mesmo transitando por tramas já tão conhecidas em outros filmes e séries, uma história por ser intrigante e ainda abordar as relações humanas de maneira convincente, mostrando suas contradições e questionando, por vezes, até mesmo temas tabus. Desde "Chernobyl", a HBO não nos presenteava com uma série tão boa. E, melhor: por se tratar de uma minissérie de 7 episódios, a história se fecha na última cena (muito bonita, por sinal), sem a necessidade de apresentar um "gancho" para supostas continuações. 

Um dos destaques audiovisuais do ano. 



Nota: 10/10


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