Dica de Filme ("La Daronne")

Dica de Filme


Título: La Daronne
Ano de lançamento: 2020
Direção: Jean-Paul Salomé



 Com inteligência e sarcasmo, esta comédia politicamente incorreta traz um olhar crítico à questão da guerra às drogas 


Não são todas as comédias que fazem a gente rir e refletir, especialmente quando se trata de assuntos espinhosos, como a temática das drogas, por exemplo. Neste último caso, o que geralmente acontece é a produção ser excessivamente escrachada e pastelão, aos moldes mais rasos de Hollywood, como "Uma Família do Bagulho", que até diverte, mas, é bem moralista em sua mensagem final.

No caso de "La Daronne" (que nos EUA recebeu o título de "Mama Weed", e no Brasil ficou "A Dona do Barato"), o buraco é mais embaixo, e a questão envolvendo narcóticos, mas, especificamente o combate ao tráfico, e como as autoridades não conseguem fazer o básico, é abordada de uma maneira mais crítica, irônica e inteligente. 




No filme, a sempre ótima Isabelle Ruppert interpreta 
Patience Portefeux, que trabalha na narcóticos traduzindo conversas interceptadas pela polícia. Já nos primeiros minutos, entendemos bem a dinâmica da personagem com o seu trabalho e com as pessoas que a cercam. Sem grandes exposições, entendemos o affair que ela tem com o chefe, e a relação ora conturbada, ora carinhosa, com a mãe. 

Todos esses elementos iniciais serão importantes para a trama depois, pois, além de se intercalarem com a problemática principal, ainda mostram como uma história pode ser bem construída sem precisar ser complexa demais, ou explicar muita coisa. Basta apresentar os principais pontos, e encaixá-los aos poucos, de maneira natural, sem soar nada forçado. 

Isso, além de conseguir intercalar todas as situações que surgirão de maneira orgânica, ainda servem para construir melhor a personagem da Patience diante dos nossos olhos. Mesmo que as atitudes que irá tomar sejam controversas na sociedade atual, tudo soa plausível, e conseguimos entender a lógica por trás de suas atitudes. 

Em paralelo, o texto aproveita pra alfinetar a tal "guerra às drogas", mostrando de maneira bem singular que, muitas vezes, quem realmente é pego pela lei são os "peixes pequenos", enquanto que os "grandes" continuam livres, cometendo todo tipo de barbaridades. A polícia, inclusive, não é mostrada de maneira caricata; apenas como uma instituição que, ao seguir à risca as "regras do jogo", acaba por não combater os maiores problemas do tráfico em si.  




Talvez incomode um pouco a visão um tanto estereotipada a imigrantes árabes e chineses, porém, no decorrer da projeção, tais personagens vão ganhando camadas e contornos menos óbvios, como a dona do apartamento no qual Patience mora. A própria protagonista poderia ter caído em maniqueísmos forçados, mas, o roteiro soube evitar isso, construindo uma personagem bem interessante. 

Claro, além da direção dinâmica de Jean-Paul LSalomé, e do roteiro bem amarrado (a cargo do próprio diretor, e de Hannelore Cayre e Antoine Salomé), o filme não teria o mesmo carisma sem Isabelle Huppert, que emprega todo o charme e ironia que a sua personagem necessita. Sua imponência em tela é bastante significativa, mas, em alguns momentos, o filme faz questão de mostrar as fragilidades de Patience, e Huppert acompanha muito bem esse ritmo. 



Sem moralismos baratos, "La Daronne" consegue ser uma comédia divertida, mas, desconcertante a respeito de um assunto delicado, fazendo refletir a sobre alguns assuntos. Não de maneira complexa, é verdade. Porém, de uma forma bem elaborada e provocativa, evitando alguns clichês. O único problema será a possibilidade de Hollywood fazer uma refilmagem disso aqui (o que, geralmente, nunca é bom). 



Nota: 8/10

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