DICA DE FILME ("A PASSAGEM")

 Dica de Filme


Título: A Passagem
Ano de lançamento: 2005
Direção: Marc Forster



 A melancolia e a tristeza que envolvem a efemeridade da vida em um filme peculiar e criativo


Consta que o professor de escrita criativa Robert McKee, um belo dia, estava ministrando uma de suas aulas quando um aluno, fez o seguinte questionamento: 

- Professor, eu não consigo ter nenhuma ideia pra roteiro. Não consigo encontrar nenhuma inspiração na realidade. Eu acho a vida chata. 

Então, McKee questionou: 

- A vida é chata? Ela é o roteiro mais complexo e difícil que existe. Você, por exemplo, não conseguiria escrever esse diálogo que estamos tendo agora, neste exato minuto. Se você acha a vida chata, não tem como achar nenhuma história boa.  

Essa diálogo entre McKee e um dos seus alunos meio que dá o tom do que seja "A Passagem", um filme, assim como tantos outros, cuja grandeza de sua história está em entender os pequenos e mais importantes detalhes de uma existência, este roteiro tão complexo. 

Falando assim, a produção parece ser cabeçuda como os filmes do Terrence Mallick. Porém, aqui, a pretensão é mais simples, mas, não menos poderosa. E isso só é possível porque o roteiro de David Benioff se mescla ao estilo onírico que Marc Forster imprime nesse trabalho, compondo uma história que ora parece ser aterradora, ora bem triste, mas, no fundo, muito estranha. 




Para uma melhor experiência, quanto menos se souber da trama de "A Passagem", melhor. Basta saber que um rapaz chamado Henry Lethan possui transtornos psicológicos sérios, e é onde entra o psiquiatra Sam Foster, que vai fazer de tudo para ajudá-lo. 

Contudo, à medida que o tempo passa, Sam também parece estar perdendo a noção da realidade, sendo tragado para uma rede de acontecimentos cada vez mais estranhos. Assim que a trama avança, também vamos entendendo (mas, só um pouco) quais os traumas de Henry, e porque ele está numa jornada autodestrutiva. 

Uma das grandes sacadas da história é deixar pistas ao longo do filme, e alguns elementos que irão se conectar mais lá na frente. Mesmo que, de início, algumas situações e até diálogos possam parecer aleatórios, eles certamente são peças de um quebra-cabeça maior, e que fará sentido depois. 

Muito ajuda essa sensação desnorteante alguns ângulos de câmera (tortos) como se não somente a situação ali não estivesse correta, mas, toda a realidade em sua volta. O filme também usa de flashbacks e idas e voltas no tempo, e que no final não se trata de virtuosismo do diretor, e sim, um recurso para nos deixar tão desorientados quanto aqueles personagens. 




Em muitos locais, "A Passagem" é colocado como um thriller de mistério, o que soa equivocado no final das contas. Podemos dizer que a produção é um pesado drama com toques sutis e mais acessíveis de David Lynch (o que não é, em hipótese alguma, um demérito). É isso o que define (um pouco) a história do longa. 

Contudo, mesmo não sendo um grande estudo sobre a condição humana em sua forma mais vulnerável, o filme consegue debater certas questões da vida, como as escolhas que fazemos, até que ponto nossas memórias nos afetam, e outros pequenos detalhes que fazem parte disto que chamamos existência. Melhor: ele fala de tudo isso sem ser didático, forçado ou cerebral demais. 

Isso propicia uma experiência verdadeiramente reflexiva e angustiante a respeito da efemeridade das coisas (materiais ou não). Uma amostra de como os acontecimentos estão alheios à nossa vontade, e que nossa mente é, no final das contas, algo frágil. 

Além do intrigante roteiro e de uma direção com estilo bem interessante (o ritmo da produção é sempre envolvente), as atuações ajudam muito, especialmente, as de Ewan McGregor e de Ryan Gosling, que entregam um resultado bem convincente.  Mesmo não sendo tão exigida, Naomi Watts também consegue mostrar uma boa interpretação. 




Falando sobre temáticas pesadas e complexas de maneira inteligente e criativa, "A Passagem" é mais um ótimo lembrete da arte de que o roteiro mais complexo continua sendo a vida mesmo.

Por mais banal ou desinteressante que possa parecer, é dela que saem os mais poderosos enredos. Mesmo quando está próxima do final. 

O que é a vida, afinal?


Nota: 8,5/10

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