DICA DE FILME ("A Culpa é do Fidel")

Dica de Filme


Título: A Culpa é do Fidel
Ano de lançamento: 2006
Direção: Julie Gavras



Uma lenta e gradual construção de tomada de consciência pelo olhar de uma criança

Filmes com teor político temos aos montes por aí, e isso pode ou não ser interessante. Acontece que muitas dessas produções, a despeito de suas "boas intenções", têm uma vertente bastante panfletária, o que pode tornar a narrativa enfadonha (até mesmo para quem comunga daquelas ideias) ou simplesmente pragmática ao extremo. 

No caso de "A Culpa é do Fidel", estreia na ficção de Julie Gavras, filha do genial Costa-Gavras (e, cujos filmes, mesmo com teor bem panfletário, funcionam maravilhosamente bem), temas complicados são abordados com leveza e inteligência, passando sua mensagem sem precisar ser expositivo ou apelativo no discurso. 

E tudo porque Julie Gavras se vale de um artifício que, em boa parte dos casos, funciona muito bem: abordar temas adultos e pesados pelos olhos de uma criança, que observa e absorve tudo com base em seu entendimento de mundo até aquele momento. Isso torna a experiência mais palatável, mas, não menos política. Além disso, esse filme também aproveita para tecer críticas bem pontuais contra quem deseja a revolução social. 




A criança aqui é Anna, uma menina como outra qualquer, vivendo em seu mundo perfeito, com os avós e uma governanta conservadores, em meio a uma mansão, e onde uma das suas únicas "preocupações" naquele momento é ensinar seus amiguinhos a cortar uma fruta do jeito certo. 

Em contraste a isso, seus pais estão se envolvendo cada vez mais na luta política da época. Mais precisamente, a Espanha de 1970, ainda em meio ao franquismo. Fora isso, também estão engajados com as conturbadas agitações políticas na América Latina, especialmente, as do Chile. 

Por sinal, o filme se foca bem nesse país, dando destaque em como os revolucionários de esquerda viam Salvador Allende, e como torciam por sua eleição naquele momento. Outro país mencionado na trama é Cuba, mais precisamente em como a governanta que trabalha na mansão dos avós de Anna vê Fidel Castro e os comunistas. Vem daí a ótima sacada do título do filme, inclusive. 




No decorrer da trama, vemos Anna sendo "bombardeada" por conceitos e ideias novas vindas dos pais e seus amigos, o que vai, aos poucos, mudando um pouco a sua visão de mundo. Nesse sentido, o recurso de usar frases de efeito clichês em filmes políticos é muito bem feito, pois, como estamos vendo tudo pelos olhos de uma criança, o entendimento dela é diferenciado (e, muitas vezes, "direto" demais, o que acaba gerando alguns conflitos). 

Isso, por sinal, acaba sendo um bom artifício na trama pra criticar a forma, muitas vezes, radical ou "preto no branco" como alguns militantes veem certos assuntos, mostrando que estes não são pessoas perfeitas. A sequência do pai de Anna discutindo com a esposa, devido a esta ter participado de uma petição pró-aborto, demonstra muito bem como até quem deseja mudanças tem lá os seus preconceitos. 

Mas, o grande atrativo do filme mesmo é ver Anna, uma criança, até aquele ponto, bastante mimada, tendo que lidar com situações das quais ainda não compreende, mas, que vão fazendo sentido ao longo do tempo. Com isso, vemos ela tomando ciência de valores como solidariedade, por exemplo. O que também ajuda a compor cenas simples e divertidas, como naquela em que ela "brinca" com os amigos dos pais de "mais valia". 

Dessa forma, mesmo que o filme tenha um grande teor político em essência, ele não é duro, categórico e chato. Ao nos colocarmos no lugar de Anna, vamos aprendendo com os erros e acertos dela e de quem está ao seu redor. Até os militantes com as melhores intenções são cheios de defeitos, e os mais conservadores da história (a avó e a governanta) não são vilanizados de forma rasa como geralmente acontece nesse tipo de história. 




No campo das atuações, todos entregam boas performances, mas, é Nina Kervel‑Bey, interpretando Anna, que mais se destaca. Agindo como uma autêntica criança, ela sabe como expressar emoções de maneira natural, sem forçar demais, o que torna a personagem interessante, e, com o passar do tempo, carismática. A direção, por sua vez, ajuda bastante em uma construção sólida da história, fazendo da pequena jornada de Anna um exercício de tomada de consciência nem um pouco pedante. 

"A Culpa é do Fidel" mostra que filmes políticos podem ter abordagens diversas e funcionarem muito bem, seja de uma maneira mais direta e visceral (como os próprios trabalhos do pai da realizadora, o Costa-Gavras), seja de uma maneira mais leve e sutil, como é o caso deste aqui. Ao final, valiosas lições são aprendidas (por crianças e adultos), e o desfecho carrega um "quê" de esperança importante. Afinal, a luta sempre continua. 


Nota: 9/10

Comentários