DICA DE FILME ("Tremores")

 Dica de Filme


Título: Tremores
Ano de lançamento: 2019
Direção: Jayro Bustamante



A culpa cristã como forma de tolher e mutilar o indivíduo

É inegável que o tema da homossexualidade ainda é tabu, mesmo com todos os avanços possíveis e imagináveis. A boba e sem sentido polêmica do filho bi do Superman nos quadrinhos recentemente prova que se trata de um assunto que ainda inspira muito preconceito e intolerância, especialmente, partindo dos meios religiosos (aqui no Brasil, mais especificamente, entre os cristãos). 

Eis que temos um filme forte como "Tremores", produção da Guatemala que toca bem diretamente na ferida de como os cristãos tratam os homossexuais ou como pessoas doentes, ou como simplesmente pecadores condenados ao Inferno (isso quando não são taxados absurdamente de pedófilos, algo que fica bem claro em determinado do filme também). 




Obviamente que se trata de uma temática delicada para ambos os lados, e pra abordar algo assim o realizador precisa de sensibilidade para não deixar os personagens caricatos, endeusando ou vilanizando ninguém. Felizmente, o cineasta Jayro Bustamante consegue fazer uma trama bastante crível, e que dada as circunstâncias reais que vemos hoje em dia, os fatos conseguem ser piores que a ficção. 

Ao abordar a via crucis de um homem por volta de seus 40 anos de idade (Pablo) que tem a sua homossexualidade exposta por familiares e conhecidos, a história mostra de maneira bem contundente como o preconceito (especialmente, o de cunho religioso) pode humilhar e rebaixar o ser humano, tirando todas as suas possibilidades de felicidade. 

Do emprego perdido à proibição de ver os filhos por ser taxado de pedófilo, nenhuma violência física ou psicológica sofrida por Pablo está longe da realidade. Já os cristãos da trama não são nem um pouco diferentes de muitos grupos religiosos dos dias atuais. Muitos podem achar que o retrato ficou generalista, porém, os fatos contradizem essa perspectiva. 

Até mesmo porque a história do filme se ancora mais especificamente no fanatismo religioso, e este é um fenômeno que está aí, a olhos vistos. Principalmente, quando a trama envereda pela tática da chamada "cura gay", que aqui é retratada como deve ser: charlatanismo em prol do poder de certos grupos sobre as pessoas. 




Importante frisar que o filme não é necessariamente pró-causa LGBT, e muito menos é desrespeitoso com os cristãos como um todo. O cerne de "Tremores" está mais em pregar uma postura humanista, de dignidade às pessoas, onde elas podem ser quem são, sem culpa. E, isso bem bem claro em vários momentos na história, de forma orgânica, sem nada panfletário. 

As situações humilhante se vexatórias pelas quais Pablo e seu atual companheiro passam visam expor a hipocrisia a violência como os homossexuais são tratados. Mesmo não tendo cenas de violência explícita ou nada sádico, muitas sequência incomodam pela estupidez dos fatos, gerando indignação e levando a algumas importantes reflexões sobre até onde a religião deve interferir na vida de terceiros. 

Além disso, o filme também é simbólico no sentido de associar os tremores reais que a Guatemala sofre (provocados por terremotos, claro), com os tremores metafóricos que o personagem principal passa em sua vida (interna e externamente). 

Não à toa, em momentos-chaves da trama, algum tremor real acomete o país, traçando paralelos bem pontuais com a conturbada vida pessoal de Pablo a partir do momento em que sua sexualidade ficou exposta para todos. 



As atuações estão ótimas, em especial, Juan Pablo Olyslager Muñoz como o protagonista, e Maurício Armas, como Francisco. A direção de Bustamante tem mão firme, não deixando pontas soltas, e a trilha sonora cumpre um bom papel para extravasar os sentimentos dos personagens. 

Com uma temática tão forte, "Tremores" perigava cair em muitas armadilhas, especialmente com situações rasas ou discursos vazios. Contudo, o filme se saiu muito bem ao expor de forma objetiva todos os temas abordados, do respeito à dignidade humana à crítica ao fanatismo religioso. Uma produção, tristemente, atual e verossímil. 


Nota: 8,5/10

Comentários