Dica de filme ("A Filha Perdida")

 Dica de Filme


Título: A Filha Perdida
Ano de lançamento: 2021
Direção: Maggie Gyllenhaal



A atenção é a forma mais rara e pura de generosidade 

Viver é complicado. Ainda mais em circunstâncias desfavoráveis, e em ambientes sem grandes perspectivas. As escolhas passam a ser condicionadas, e os papeis sociais não cabem nos anseios e desejos de cada um. Daí vêm as frustrações. Especialmente quando para a mulher, com as cobranças habituais às suas "obrigações", principalmente, para as mães. É uma questão complexa e delicada, mas, que o filme "O Filha Perdida" consegue explorar de maneira bem satisfatória. 

Com base na obra da escritora Elena Ferrante, a diretora estreante Maggie Gyllenhaal consegue abordar a maternidade de maneira incômoda e até provocativa. O filme, por sinal, possui diversas personagens mães, cada uma com suas peculiaridades, mas, todas, de alguma forma, com o peso e a pressão que as mulheres ainda carregam, seja no período da gravidez, seja quando os filhos estão mais crescidos. E, todas, de certa forma, convergindo para a protagonista Leda.




Usando o recurso de flashbacks, o longa mostra de maneira bem interessante o passado de Leda. Com isso, traçamos paralelos com o seu presente, e especialmente entendendo o que aconteceu quando era mais jovem, e porque, de alguma forma, passa a se aproximar com muito interesse de Nina, que, acompanhada de toda a família, está passando férias ali próximo de Leda, e se encontra esgotada ao cuidar de sua filha pequena. 

Essa mescla de passado é presente é bem feita porque serve bem à trama, com acontecimentos passados dialogando com o que se passa no hoje. É certo que em alguns momentos, esse recurso cansa um pouco também, especialmente quando vemos uma Leda mais jovem se desvencilhar um pouco das obrigações de ser mãe em tempo integral. Ainda assim, é algo que acrescenta demais à trama, especialmente para enriquecer o personagem de Leda. 

O que talvez incomode aqui seja mostrar a maternidade sem nenhum romantismo. O roteiro é sábio ao não carregar demais no fardo das mulheres nesse sentido, mostrando momentos de Leda mais jovem se divertindo com suas filhas, mas, explorando também ocasiões em que, de tão sobrecarregada, ela não aguenta e explode, grita com as meninas e se desespera. E tudo mostrado sem forçar demais no drama das situações, o que acaba não facilitando para o espectador ter uma visão rasa da história. 

Afinal, Leda seria uma pessoa boa ou ruim? Ou seria apenas uma vítima das circunstância? Ou ainda uma pessoa comum que, cansada do peso e da pressão, optou por decisões que depois se arrependeria? Em suma, o roteiro não entrega de bandeja essas questões, e mostra que a vida é mais complexa do que as convenções e os papeis sociais tentam impor. 




Um dos grandes méritos do filme é não mostrar Leda nem como vítima, nem como vilã. Talvez essa abordagem que escapa de soluções fáceis não agrade a todos que esperam, por exemplo, grandes conflitos e redenções, onde alguém é puramente bom, e o outro é mau, e depois se arrependerá de seus erros do passado. O longa não tem necessariamente um grande clímax ou catarse. Ele se desenrola como, muitas vezes, desenrola-se a vida (solta, sem "fins" ou "começos"). 

Ao mesmo tempo, o roteiro também não se mostra maniqueísta ao abordar os homens. Uns são frívolos e não conseguem acompanhar uma boa conversa com Leda, enquanto outros são mais profundos, e tantos outros são apenas comuns e banais, como o antigo companheiro da protagonista, que não era necessariamente uma pessoa ruim, mas, que estava em sistema no qual ele não a ajudava a dividir o peso da maternidade. São, portanto, pequenas questões que enriquecem o filme como um todo. 

Ainda assim, com um roteiro tão bom, por vezes, Gyllenhaal perde um pouco a mão na direção, alongando demais certas cenas, ou deixando de aprofundar sequências que mereciam maior cuidado. São erros menores, é verdade, mas, que estão lá, e poderiam ser resolvidos na edição, por exemplo. Contudo, o ritmo da história é bom, especialmente, depois que engrena após sua introdução. E, termos de atuações, todos estão muito bem, e Olivia Colman, como sempre, está bem acima da média. 




Notoriamente incômodo, "A Filha Perdida" é um filme sobre a vida e suas oportunidades (ou a falta delas), sobre a cobrança que fazemos aos outros e nós mesmos, e a respeito do quão prejudicial é o peso das convenções sociais que nos limitam a sermos e agirmos de determinadas formas. A vida, afinal, não precisa ser perfeita. Basta ser... vivida. 



Nota: 8/10

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