Dica de filme ("A Pior Pessoa do Mundo")

 Dica de Filme


Título: A Pior Pessoa do Mundo
Ano de lançamento: 2021
Direção: Joachim Trier



Torna-te quem tu és (apesar das pressões sociais)

Vivemos em sociedade, e isso tem o seu "preço". Em certo aspecto, não deveria, mas, tem. Claro que há éticas, moralidades e protocolos a serem seguidos em prol de um bem comum. Até aí, é algo justo, importante e minimamente aceitável. 

O problema está nos detalhes, quando se torna implicitamente obrigatório seguir certas regras que não impactam na vida de absolutamente ninguém (a não ser de quem tomará tais decisões). Pode ser uma profissão a seguir, ter ou não filhos, etc. 

Há sempre uma obrigação social implícita que somos obrigados a encarar. Cabe tomar decisões (e nem sempre as mais agradáveis aos olhos alheios; esses olhos quase sempre censores e julgadores). E é mais ou mesmo disso que trata "A Pior Pessoa do Mundo". 

Porém, o filme traz mais assuntos e provocações à mesa do debate. 

E, assim como aconteceu com outro dos grandes filmes de 2021 ("A Filha Perdida"), aqui, não há julgamentos de sua protagonista, a Julie. Sim, ela faz coisas erradas, e paga o seu preço. Como em algum momento da vida, todos nós. É esse o nível se sinceridade e humanidade presente no longa. 




É muito significativo que Julie, por exemplo, esteja na casa dos seus 30 anos. Afinal, esse é um período da vida em que muitos têm incertezas (até mesmo aqueles que possuem uma vida mais estruturada e equilibrada). Seu relacionamento com Aksel (14 anos mais velho do que ela), inevitavelmente, entre em conflito, mesmo que haja carinho e afeto entre ambos na maioria das vezes. 

Mas, algo inquieta Julie, seja sua futura profissão, da qual ainda não escolheu plenamente (ela vivia trocando de cursos na faculdade), seja a imposição (explícita ou implícita) no seu círculo social em ter filhos e "formar uma família". Há incompatibilidade e conflito em todos os lugares que ela vá, o que, inevitavelmente, a faz se sentir "a pior pessoa do mundo" em alguns momentos. 

É um sentimento de inadequação constante que a persegue. 

Em alguns momentos, tentará algo novo, algo diferente. Mas, assim como geralmente acontece, ela tomará uma ou outra decisão equivocada, não pela decisão em si, mas, pela forma como trata quem está próximo dela, com certa rispidez caso a pessoa se interponha aos seus novos planos de vida. Ou seja, uma atitude bastante humana, não?



O roteiro é muito sagaz ao não buscar soluções fáceis para a trama, não julgando sua protagonista, mas, também não passando pano para as suas atitudes. Ao mesmo tempo consegue criticar toda uma neurose que as pessoas têm em seguir certas regras sociais como uma obrigatoriedade quase doentia, que só faz sentido para quem realmente quer viver daquele jeito. 

Além disso, a história apresenta algumas sequências bem interessantes que parecem destoar da história pelo seu teor fantasioso, mas, que complementam de maneira muito bonita e divertida (às vezes, até assustadora) o interior da personagem. Digamos que seja um recurso para dar um sabor ainda mais significativo à uma história de buscas, (re)descobertas e alguma redenção. 

Por sinal, é significativo também que ninguém aqui é tratado com complacência, já que Aksel, o atual companheiro de Julie, também não é necessariamente uma pessoa maravilhosa (ao contrário: ele se mostra bastante misógino em uma entrevista para a TV), mas, ao final, o filme também não o julga, e mostra outras facetas dele. 

As atuações estão ótimas, e passam todo o grau de sinceridade que a trama exige, especialmente, a de Renate Reinsve, que mostra carisma com sua Julie, mesmo que seja uma personagem, às vezes, com muitas falhas. Anders Danielsen Lie como Aksel também passa muita verdade em sua interpretação, principalmente na parte final, e Herbert Nordrum, como Eivind, completa esse triângulo problemático com competência. 



Ao final, o que temos em "A Pior Pessoa do Mundo" é uma lição de que o pior, muitas vezes, é só uma questão de perspectiva e da opinião alheia, e que mais vale tornar-se quem de fato é, apesar de quase tudo ao redor ser contra. Uma ode, portanto, à liberdade de cada um seguir o seu próprio caminho. Sem moralismos rasos ou qualquer coisa do tipo. 


Nota: 9/10


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