DICA DE FILME ("Speak No Evil")

Dica de Filme


Título: Speak No Evil
Ano de lançamento: 2022
Direção:
 Christian Tafdrup



"Tudo bem, não tem problema". Não tem mesmo? 

O ser humano é um animal social. Muitas vezes, vive de tentar, a todo custo, socializar com outras pessoas, agradar a gregos e troianos, mesmo que, para isso, passe por cima de princípios, orgulho, amor próprio, essas coisas. Mas, qual é o limite? Qual é o preço da permissividade excessiva? É o que "Speak No Evil" (algo como "Não Fale Mal" ou "Não Reclame") tenta responder no campo da simbologia. 

Falo simbologia porque é importante encarar o filme como uma alegoria, no qual teremos uma série de arquétipos de certos povos (mais precisamente os holandeses e os dinamarqueses), além de atitudes que, numa realidade factual, em termos de verossimilhança, podem não fazer sentido. Porém, estamos falando de arte, e, neste caso, até os momentos mais absurdos estão carregados de mensagem simbólica que perturba, incomoda e obriga a uma reflexão. 




"Speak No Evil" não tem pressa. A apresentação de todos os personagens principais é feita aos poucos, de maneira gradual, até para não estranharmos tanto a postura que alguns irão tomar ao longo da trama. Até mesmo quando as imposições e abusos de alguns deles começam a aparecer, é tudo feito de forma orgânica, aos poucos, em ações que até poderíamos considerar dizer: "Tudo bem, não tem problema". 

Só que há uma problemática aqui, sim, e ela vai crescendo à medida que o casal de visitantes vai aceitando tudo o que os seus anfitriões fazem. Na "vida real", pensando bem, não é tão diferente assim. Mesmo que de forma menos exagerada, as pessoas na maioria das vezes tendem a se comportar como o casal de dinamarqueses do filme, aceitando tudo em nome da polidez, da educação, da convivência. Mas, assim como bem mostra "Speak No Evil", isso pode ir matando a individualidade, restando apenas alguém que se esforça por parecer amigável e sociável. 

Para não deixar lacunas, o filme reserva um tempo para verbalizar um pouco as angústias internas de um dos protagonistas, que, literalmente, grita em um local isolado, expulsando um pouco da sua opressão. É bastante sintomático ele externar dor e angústia em um local deserto, sem ninguém ali que possa lhe julgar, como se ele só conseguisse ser quem realmente é isolado de tudo e de todos, sem o crivo moral de terceiros. Uma baita metáfora. 




"Speak No Evil" não alivia. Mesmo em seus primeiros momentos, quando o aquela família chega na casa dos seus anfitriões, e algumas atitudes, mesmo um tanto abusivas, parecem que não vão reverberar em algo mais grave, ainda assim, tudo é passado de uma forma bem desconfortável. Os olhares, a postura tensa, o medo de desagradar, o receio de dizer "não"... Sentimos cada desconforto como se fosse nosso, e, da mesma forma aqueles personagens se sentem impotentes, nós, enquanto meros espectadores, também somos. 

É muito desconfortável. 

Mérito do diretor dinamarquês Christian Tafdrup, que soube captar muito bem as nuances de cada personagem, até mesmo das crianças. Numa cena em específico que envolve a menina e o menino dançando, a direção mostra muita competência ao nos colocar naquele ambiente que vai numa crescente de abuso e opressão, com reações bastante genuínas de todos os atores (que é outro grande acerto do longa). Só essa sequência da dança dá bem o tom do que o filme é: uma poderosa alegoria contra a permissividade exagerada. 



Mesmo sendo termos um pouco clichês, não dá pra não dizer que "Speak No Evil" é amargo, indigesto e perturbador. Usa bem simbologias e arquétipos para abordar assuntos intrínsecos a uma sociedade cheia de pudores, mas, cujos traumas e anseios reprimidos podem reverberar em algo bem mais grave, especialmente, se não reclamarmos o que nos incomoda, ou simplesmente "deixamos para lá". Numa época em que se questiona muito o "mimimi"  de quem não aceita humilhação calado, esse filme veio muito a calhar pra mostrar que as coisas não são bem assim. 


Nota: 9/10

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