DICA DE FILME ("O Sol do Futuro")

Dica de Filme


Título: O Sol do Futuro
Ano de lançamento: 2023
Direção: Nanni Moretti


Um pouco de esperança em meio à melancolia

O filme anterior de Nanni Moretti ("Três Andares") não foi bom. Parecia meio perdido em uma história simplória demais que, para compensar a falta de substância, apelava para cenas que destoavam da própria filmografia do diretor. O que foi uma decepção, já que a produção anterior dele (o documentário "Santiago/Chile") foi um dos destaques de 2018. Mas, felizmente, Moretti retoma sua veio meio anárquica, meio vaidosa, e muito crítica com este "O Sol do Futuro", quase um resumo de toda a sua obra.

O filme basicamente narra os perrengues de um diretor de cinema (o próprio Nanni Moretti) para fazer um filme sobre a revolução húngara sob o ponto de vista dos comunistas italianos, que, naquele momento, muitos queriam se desvencilhar do comunismo soviético, e fazer mudanças no país pelos seus termos, de maneira independente. 

Isso, obviamente, é o mote perfeito para termos aqui alfinetadas nem um pouco sutis, como quando Giovanni (o personagem de Moretti) rasga uma foto de Stálin, chamando-o de ditador. Mas, seria "O Sol do Futuro" um filme político? Bem, em termos. Há, sim, bastante política na trama, mas, outros temas vão se sobrepondo, como a própria arte de fazer cinema. São especialmente hilárias as partes em que Giovanni vai se reunir com executivos da Netflix para produzirem seu filme (e tudo gira em torno da história ser rentável e ter um plot nos primeiros 2 minutos), ou no encontro com produtores sul-coreanos (onde avaliam o roteiro de forma, digamos, dramática demais). 




Mas, o filme, além das mensagens diretas, também sabe trabalhar com o simbolismo, com a sugestão, como quando Giovanni sonha com um casal apaixonado num cinema, e quando, tempos depois, ele está no limiar de terminar o seu filme (da maneira mais depressiva e melancólica possível, diga-se), ele tem um devaneio daquele mesmo casal que sonhou antes, só que numa situação ainda mais feliz, o que faz com que ele passe a repensar os rumos que a história do seu filme está tomando. 

Vale a pena encerrar com uma tragédia, com pessimismo, com cinismo? Será esse o meu legado como cineasta? Não teriam formas de pensar a vida?

Através desse simbolismo, Moretti parece também questionar um pouco sua própria filmografia, feita de produções excelentes, é verdade, mas, muitas delas, tristes e até amargas ("Palmbella Rossa", "O Quarto do Filho"...). "O Sol do Futuro", então, poderia ser um filme-testamento de Moretti? Bem, talvez, até mesmo porque não sabemos se esse será o último longa dele, mas, certamente, tem uma aura que diz: "Deixo para o futuro algo mais otimista, com mais fé". 

Isso se encaixa bem com a própria história que Giovanni está filmando em "O Sol do Futuro", já que, em determinado momento, a atriz principal questiona que aquilo ali não é um filme político ("Quem quer saber de política?"), pois, ele é mais uma história com uma visão pessimista do amor do que qualquer outra coisa.  E, no final das contas, é (também) um filme político (dentro de outro filme político). 



E, claro, Moretti não deixa por menos quando resolve criticar o cinema (especialmente, o atual). Fora a cena já citada com os executivos da Netflix, também é significativa a sequência onde uma cena de assassinato é filmada, com o personagem Giovanni questionando que aquilo ali é só a estética da violência, que não causa repulsa, só desejo por mais sangue. Para isso, cita brilhantemente o "Decálogo 5: Não Matarás", do Krzysztof Kieslowski. Essa sequência de "O Sol do Futuro" parece um tanto exagerada a princípio, mas, depois que entendemos melhor o que está em jogo ali, fica excelente, especialmente, em seu desfecho.

Mas, assim como os produtores sul-coreanos disseram (mesmo que num tom hiper exagerado), o que vemos aqui é meio que o limiar entre a vida e a morte, entre a esperança e o pessimismo, entre fé e cinismo. Não é bem a "morte" simbólica de certos princípios ou ideais, porém, é como se Moretti questionasse: "É isso? Não pode ser só isso." No final, "O Sol do Futuro" é uma recusa desse destino manipulado peio cinema e pela vida. E, ao mesmo tempo, abraça as suas contradições, questionando se o fim tem que ser desse ou daquele jeito.


 

"O Sol do Futuro" pode não ser ainda o último trabalho de Moretti (torço para que não seja), mas, certamente é uma sinalização de um tipo de cinema mais crítico (e não mesmo esperançoso) que sempre vale a pena conferir. É um belo "sim" à vida a à arte. 

 Nota: 8/10

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