Dica de Filme (Strange Darling)

Dica de Filme


Título: Strange Darling
Ano de lançamento: 2024
Direção: 
J.T. Mollner




Um quebra-cabeças estranho (e agoniante) 

Há uma premissa na arte que diz mais ou menos assim: às vezes, não importa a história que se conta, e sim, COMO SE CONTA. Aqui, em Strange Darling, temos um bom exemplo disso. Afinal, o que temos aqui é uma trama relativamente simples, mas, com um bom plot twist, mas, que se engrandece ainda mais pela estrutura narrativa dividida em capitulos (aparentemente) aleatórios. Digamos que o diretor J.T. Mollner adora brincar com a percepção do espectador; percepção essa bastante confrontada no decorrer do filme, onde, por vezes, nos questionamos: "Mas, por que esse diálogo?", "Afinal, o que o diretor está querendo dizer com a relação desses personagens?". 

O filme vai dando respostas homeopáticas, com certo cuidado, e mesmo quando algumas revelações vêm, ainda podemos nos pegar questionando: "É isso mesmo?". Muito disso se deve ao ótimo roteiro, que, propositalmente, provoca com cenas que só parecem ser inputeis, desconexas ou um tanto "problemáticas". Às vezes, parece que a história está enveredando para um caminho, para depois mostrar que não é necessariamente daquele jeito, o que torna a dupla de protagonistas até mesmo complexa em certo sentido, revelando personalidades que ainda não tínhamos visto neles. Nada extremamente complexo, é bem simples, na verdade, porém, bem amarrado, bem consistente. 

E, acima de tudo, provocativo. 




É isso que talvez diferencie Strange Darling de outros filmes recentes, e, ao mesmo tempo, o aproxime de outras ótimas produções desse ano (como, por exemplo, Pisque Duas Vezes): a proposta de desafiar a percepção do espectador sobre o que é "real" ou "ilusão" (afinal, não é esse o propósito do cinema? Brincar com as nossas percepções, com a nossa realidade, com as nossas certezas?). Esse exercício, longe de mascarar falta de profundidade, ou qualquer coisa do tipo, ao contrário, melhora a experiência no sentido de questionar não seus personagens, mas, quem assiste, quem vê. 

Por exemplo: em uma cena envolvendo uma possível cena de violência sexual, há uma conversa entre policiais e um desfecho do que acontece ali que pode incomodar, e, aparentemente, validar certas coisas. Porém, como a proposta do filme é, de fato, lançar essas provocações a partir de nossas perspectivas, até essa parte pode render um bom debate. Mesmo que, a partir de determinado momento, a história pare de ser "quebrada", e siga uma trajetória mais linear, em linha reta, o filme continua questionando. Sim, a partir de agora, É isso. Mas, É SÓ ISSO, mesmo? Há algo mais envolvendo essa personagem?




Ajuda muito o fato de que a dupla de atores (Willa Fitzgerald e Kyle Gallner) estejam muito bem em seus paéis. A primeira faz um trabalho um pouco mais complexa, pois, precisa transitar entre emoções e dissimulações um tanto conflitantes, enquanto o segundo também tem seus cnflitos, mas, opera mais por meio de algumas sutilezas. A técnica do filme também ajuda, com sua fotografia viva e crua (não é por acaso que o filme ressalta logo de início que foi rodado em 35 mm), e a direção e o roteiro de J.T. Mollner dão um charme a mais, não só pela questão da narrativa em capítulos, mas, por cenas trabalhadas com a intensidade certa (a última sequência, sem cortes, com vários minutos, e as cores sumindo são um bom exemplo disso). 

Enfim, Strange Darling é um ótimo thriller de sobrevivência (mas, não da forma que talvez esperemos que ele seja), e que usa das possibilidades do cinema para ser original, mesmo que, de certa forma, esteja contando uma simples história de serial killer no final, com pessoas solitárias, perturbadas e desencontradas buscando alguma conexão humana (mesmo que isso venha por meio da violência). Uma violência que, dadas as circunstâncias, acaba se tornando a única válvula de escape para alguns. 


⭐⭐⭐


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