Dica de Filme

Cidade de Deus 
2002
Direção: Fernando Meirelles


O cinema brasileiro sempre parece viver de ciclos. Já tivemos produções que exploraram bastante o cangaço e a temática sertaneja, o Cinema Novo, as chanchadas, as pornochanchadas... Enfim, são vários assuntos abordados quase que num mesmo período. De uns tempos pra cá, o mote vem sendo a favela e a criminalidade de uma maneira geral. São filmes que se propõem a ser realistas, esteticamente crus, com uma abordagem um tanto social e com uma uma técnica mais voltada para a produção hollywoodiana. Exemplos são muitos, desde "Carandiru" até "Tropa de Elite", porém, quase todos com qualidade duvidosa. No entanto, quem começou tudo isso, e está anos-luz de seus imitadores é "Cidade de Deus".

Claro, aqui estão todas as características que fizeram fama a essa "estética urbana": frases de efeito, ultraviolência e uma linguagem popular. Só que o primeiro filme do publicitário por formação Fernando Meirelles tem algo a mais: foi feito com vontade e dedicação de mostrar um produto bem acabado, e, tematicamente, não é maniqueísta como os outros que influenciou. Ao expor a surgimento da favela de Cidade de Deus, seus realizadores, primeiro, buscaram recrutar os próprios moradores do local para interpretarem no filme. Isso, com certeza, dá uma veracidade maior à estória.



Estória, essa, que não chega a ser nova, mas a maneira como é contada aqui é bastante interessante. Basicamente, ela trata de escolhas feitas em circunstância poucos favoráveis. Enquanto vemos Zé Pequeno enveredando para o crime, transformando-se num ser dos mais desprezíveis, também temos a oportunidade de conhecermos Buscapé, que, apesar de estar no mesmo ambiente, não se corrompe, e tenta levar a vida trabalhando com o que mais gosta: a fotografia.

Os recursos não foram tão enormes, no entanto, a produção é, tecnicamente, ótima, principalmente em relação à edição. Nesse quesito, temos uma das melhores cenas do longa, quando mostra, em questão de segundos, Buscapé adolescente até chegar na infância; tudo num mesmo take. A trilha sonora, que inclui desde Elza Soares até Tim Maia, também é outro destaque mais do que positivo.


A violência mostrada aqui (mais brutal do que a de "Carandiru" ou a de "Tropa de Elite") talvez incomode a muitas pessoas, mas, assim como no melhores filmes da década de 70, como "Taxi Driver", ela não está presente apenas como um adorno, e sim, como parte integrante da trama, a consequência natural diante de tantas falhas, de tanta corrupção, de tanto descaso. Por isso, "Cidade de Deus" não é um produto esquemático, nem maniqueísta. Não existem vilões ou heróis; apenas pessoas comuns que escolheram, e pagaram por isso.

"Cidade de Deus" é, sem dúvida, um dos melhores filmes brasileiros já feitos. Uma produção que, em muitos momentos, choca, porém, que é necessária ser vista. Se seus seguidores ficaram inferiores, não culpemos o filme por isso. Certos raios só caem uma vez no mesmo lugar.


NOTA: 9/10

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