Dica de Filme

Tatuagem
2013
Direção: Hilton Lacerda


A simplicidade quase sempre ganha muitos pontos. O cinema brasileiro, recentemente, vem produzindo filmes ruins, justamente, pela falta absoluta do que é mais simples. Produções pretensiosas, pseudo-intelectuais, que dizem criticar mil e uma coisas, na realidade, são exercícios pedantes de auto-contemplação de seus realizadores. É muito barulho por nada.

"Tatuagem", na contra-mão disso, não quer inventar a roda. Não quer tentar dizer mais do que consegue. Seu enredo se foca, basicamente, na estória de amor entre Fininha, um jovem recruta, e Clécio, ator e diretor de uma trupe de teatro anárquico em Recife, no fim dos anos 70. Ponto. É a partir dessa premissa que o filme desenrola outros assuntos, mas sem perder o fio narrativo.




Por exemplo, por se passar ainda na época da Ditadura Militar, vemos referências a esse regime vez ou outra. Num determinado momento,  a censura bate firme, e proíbe o espetáculo da trupe. O espectador entende o quão nefasto isso foi, mas o roteiro não precisa ficar o tempo todo nisso. A crítica é consistente e válida, sem precisar ser panfletária. Tudo muito natural.

E, é no romance (muito humano e honesto) entre Fininha e Clécio que "Tatuagem" fica mais atrativo. Claro, mérito merecido para Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa, que transbordam carisma com seus personagens, e nos fazem ter empatia automática por eles. Algo que lembra, inclusive, "Azul é a Cor Mais Quente", no sentido de percebemos ali apenas um casal que se ama, independente de opções sexuais.



O filme ainda tem espaço para outros grandes momentos, como as apresentações do grupo Chão de Estrelas, ao qual Clécio faz parte. Cheias de deboche e crítica social, as peças têm como intuito chocar, e conseguem. Lembrando que o filme é baseado em estórias e pessoas reais, como o teatrólogo argentino Túlio Carella e a companhia teatral Vivencial.

Hilton Lacerda, como diretor, saiu-se muito bem. Tendo trabalhado anteriormente nos roteiros de "Amarelo Manga" e "Baixio das Bestas", este é o seu primeiro trabalho como cineasta. O ritmo com que coloca a narrativa é dinâmico e reflexivo nos momentos certos. Também possui um trabalho com atores bem naturalista, ajudando o espectador a se sentir no meio da estória.



Mesmo que seja óbvio, é preciso mencionar que as atuações são primorosas. Os já citados Irandhir e Jesuíta se entregam em seus papéis. Mas, os coadjuvantes não ficam atrás. Rodrigo Garcia apresenta sua Paulette com muita graça, mas sem abdicar de seus defeitos. É justamente entre Paulette e Clécio uma das mais simples e emocionantes cenas do filme.

Muitos chegaram a dizer que esperavam ver mais críticas em "Tatuagem". Só que esses se esquecem de um detalhe: a produção fala de um grupo teatral que tem como mote a anarquia e o deboche. Não há como esperar uma aula de sociologia. As críticas estão lá, só que de forma sutil, e com bom humor. Melhor assim do que tentar fazer algo cult, com milhões de mensagens que não dizem nada.



"Tatuagem" é fascinante em muitos pontos. Possui poucas falhas, e passa seu recado de maneira cínica e despojada. É crítico, mas também é uma estória de amor, de quebra de conceitos e de paixão pela vida e pela arte, especialmente do teatro. 

Ao final, Hilton Lacerda merece aplausos.


NOTA: 8/10

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