Dica de Filme

A Bruxa
2016
Direção: Robert Eggers


Filmes de terror há muito não assustam. Da mesma forma que os melhores exemplares do gênero recentemente resvalaram mais para o drama do que para o terror propriamente dito (caso dos ótimos "O Sexto Sentido" e "Os Outros", ambos com histórias estupendas, mas, não necessariamente assustadoras). "A Bruxa", apesar de ter uma narrativa inferior a estes, está bem acima da média do que é vendido por aí para amedrontar a platéia.

Seu grande trunfo deve-se ao fato de que ele não se presta a sustos fáceis. Não há portas rangendo, nem repentinos sons estranhos para fazer o espectador pular da cadeira. O horror é mais intenso, climático, interno, numa construção que vai crescendo ao longo do tempo. Chega ao ponto de se sentir medo de um simples e, aparentemente, inofensivo coelho. Esse horror brotando das entranhas realmente causa calafrios.




Porém, a produção se preta também a ter uma boa história, repleta de significados. Quando uma família é expulsa de um vilarejo devido à intolerância religiosa, passam a viver numa cabana nos arredores de uma floresta, da forma mais rústica possível. Mas, mesmo tendo sofrido com o fundamentalismo de crenças, a família nutre uma religiosidade que beira a cegueira, onde a doutrinação dos velhos e absurdos dogmas é uma constante.

O núcleo dessa conservadora família é formado por William, que é o que impõe uma doutrinação religiosa a todos, e Katherine, sua esposa. Tudo vai bem até o desaparecimento do bebê deles, Sam. A culpada pela tragédia é Thomasin, a filha mais velha, que passa a ser hostilizada pela mãe. Acontecimentos estranhos vão se sucedendo até que se descubra o que acontece por trás da floresta que eles habitam.




A gama de possibilidades num enredo, à primeira vista, simples, é tanta que, além do fundamentalismo religioso, que oprime, ainda temos uma contundente representação do feminismo na tela. Thomasin, por ser única e exclusivamente mulher, passa a ser o centro das atenções dos terríveis acontecimentos que abalam sua família, e ela, defendendo-se como pode, chega ao ponto de desafiar o próprio pai.

Sim, não se enganem, estamos diante de uma drama familiar tenso, e muito hostil. E, é, entrelaçado a essa proposta, que o terror acontece, quase sempre forte, e raramente gratuito. Talvez, o principal problema do filme, porém, seja sua curta duração. Claro, não sentimos muita falta de nada, a bem da verdade, só que se a história tivesse sido só um pouco mais desenvolvida, por mais alguns minutos, ficaria ainda mais poderosa. Um pouco mais de "corpo" na narração teria sido muito bem-vindo.




Em termos de elenco, não temos do que reclamar. Todos os atores, dos mais jovens aos mais velhos, brilham em seus personagens, com destaque para Anya Taylor Joy e Harvey Scrimshaw, que interpretam os irmãos Thomasin e Caleb com a competência de gente grande. E, claro, a parte técnica, mesmo com baixo orçamento, é muito bem construída, desde as belas locações, até os recursos de sonoplastia, que dão uma autêntica tensão nas cenas mais carregadas.

Apesar de ter perdido a chance de ter sido só um tanto mais ousado na completude de suas propostas, o filme "A Bruxa" cumpre o que promete, e entrega um drama competente, que, nos momentos certos, assusta e aflige o espectador. Dadas as produções do gênero que, em geral, oferecem sustos tolos e apenas muito sangue, podemos dizer que "A Bruxa" é, sim, um destaque no meio dessa seara pouco criativa. Nada tão extraordinário quanto o hype que se gerou em torno dele, mas, ainda assim, uma ótima experiência cinematográfica.


NOTA: 8/10

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