Dica de Filme

Angel-A
2005
Direção: Luc Besson


O cineasta Luc Besson já é velho conhecido do grande público por seu jeito de fazer cinema ultra-estiloso (vide "O Profissional", "O Quinto Elemento" e, mais recentemente, "Lucy"). Mesmo com esses filmes tocando em assuntos interessantes, não deixam de ser um tanto superficiais e caricatos em demasia, servido como deslumbre visual, mas, de pouco conteúdo. Nesse contexto, "Angel-A" é uma espécie de "patinho feio" na filmografia de Besson, justamente, por conseguir equilibrar muito bem uma técnica apurada, com sub-textos muito pertinentes e mostrados de forma bem reflexiva.

De cara, acompanhamos André, um pobre diabo que vive endividado e sob constante ameaça de criminosos. É espancado, mal-tratado e humilhado constantemente. Não vê sentido na vida. Acha-se um lixo em forma de gente. Não demora muito para que ele tente se matar, mas, é aí que sua vida também muda. Conhecendo Ângela, que também tenta se suicidar, ambos acabam virando um casal improvável, aonde ela será meio que o "anjo da guarda" dele, ajudando-o com suas dívidas, e, principalmente, dando a ele a auto-estima necessária para voltar a se sentir vivo.




Há diretores que fazem de tudo para que não esqueçamos que são eles por detrás das câmeras, e Besson é um deles. Sua identidade como cineasta fica evidente a cada cena, a cada diálogo, a cada jogo narrativo. E, isso é bom, pois seu estilo peculiar ajuda a deixar o resultado melhor do que ficaria nas mãos de outro diretor. Apesar de alguns arroubos visuais bem típicos, Besson ainda se mostra um bom contador de histórias, colocando drama onde tem que colocar, e comédia onde é preciso que tenha humor. Há até pausas na câmera, com longos planos-sequência muito bonitos e  criativos.

As mensagens do roteiro, que giram em torno de uma sociedade mais e mais individualista, na qual o indivíduo vai perdendo a sua identidade, são muito boas, e contadas do jeito certo. A porta-voz dessas verdades é Ângela, e, pelo estilo ágil da narrativa, não há tempo para algo panfletário. Todos os discursos são claros e diretos, e, mesmo sem muita profundidade, fazem pensar (algo que os blockbusters hollwoodianos há muito tempo não fazem). André, de alguma maneira, somos nós mesmos, perdidos num ambiente mesquinho, sem nos darmos conta de nosso valor. Nesse sentido, Ângela também serve como uma espécie de "consciência", dizendo o que precisa ser dito.




A maravilhosa fotografia em preto e branco dá uma aura ainda mais cool ao filme, inclusive, até pelo tema similar, remetendo ao grande clássico de Win Wenders, "Asas do Desejo". A comparação não é tão descabida, e mesmo a produção de Besson não sendo tão sutil em relação a do cineasta alemão, ele consegue passar a mesma essência e as mesmas inquietudes dos personagens (só que num tempo com ares mais modernos). E, até a curta duração de "Angel-A" facilita o espectador não ficar entediado, e ainda absorver bem cada detalhe da trama.

O pecado da produção, porém, está em seu final. Apelando para uma conclusão um tanto quanto piegas (mas, que não deixa de ser emocionante), ele "quase" se trai ao enfraquecer a personalidade de uma personagem tão forte quanto Ângela. Aí, entram umas certas obviedades e uma forçadas no roteiro que poderiam ser muito bem evitadas. Mas, conta a favor do filme a ótima dupla de atores, formada por Jamel Debbouze (que interpretou um dos personagens mais cativantes de "Amélie Polain") e Rie Rasmussen. Enquanto um consegue passar toda a tristeza de alguém perdido no mundo, a outra mostra muita determinação em sua atuação, entregando uma performance digna de nota.




Mesmo com um desfecho que poderia ter sido melhor trabalhado, "Angel-A" ainda consegue ser um baita filme. Apesar de seu verniz pop, entrega boas reflexões a respeito de nossa condição humana, e, sem ser moralista, carrega uma bem-vinda denotação do que é certo e do que é errado. Uma produção, sim, inusitada, aonde, talvez, poucos embarquem na ideia mirabolante do roteiro. Mas, cinema é isso mesmo: a realidade travestida com as mais loucas fantasias. Provavelmente, tenhamos nos esquecido disso.


NOTA: 8/10


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