Dica de Filme

A Chegada
2016
Direção: Denis Villeneuve


A ficção científica no cinema é feita de grandes obras de tempos em tempos. Só para citar alguns poucos exemplos, "2001: Uma Odisséia no Espaço", "Solaris" e "Contato" possuem um hiato de, pelo menos, uma década entre eles. E no meio dos clássicos temos o que poderíamos chamar de ficção científica de "escapismo", cujos filmes se concentram mais na ação e no terror do que em algo mais profundo (é o caso da cinessérie "Alien", por exemplo). Só que, em plano século 21, anos 2000, estava faltando uma obra que abordasse temáticas assim de uma maneira mais adulta, digamos. "Interestelar", de Christopher Nolan, até que tentou, mas, o posto de grande ficção científica dos últimos anos vai para "A Chegada".

A premissa, aparentemente, simples, é o ponto-chave para que o roteiro aqui explore temas bastante pertinentes. Mesmo assim, a produção já começa com a apresentação de sua protagonista, a renomada linguista Louise Banks, numa sequência que muito lembra o começo da animação "Up - Altas Aventuras". Após esse início, que consegue não cair no pieguismo, diga-se, temos a "ação" em si, com os noticiários dando a informação de que estranhas espaçonaves apareceram em 12 lugares diferentes no mundo, deixando a população de seus respectivos países apreensiva. Seriam alienígenas? E, estariam em missão de paz, ou se trata de uma invasão? É quando o caos se instala, e o exército convoca a Dra. Louise para ajudá-lo em algo complexo: decodificar a "linguagem" dos estranhos visitantes para saber qual a intenção deles, afinal de contas.




O roteiro, baseado no conto "Story of Your Life", de Ted Chiang, é muito bem desenvolvido ao mostrar o desespero das populações ao redor do globo, mas, sem explorar demais esses acontecimentos, com as tentativas da Dra. Louise em tentar um elo de comunicação com seres desconhecidos. Os cortes, por vezes, são secos, pois, a narrativa não perde tempo em mostrar demais as ações e reações dos personagens. Villeneuve mostra que tem muito feeling para dirigir uma história que prenda a atenção do espectador do começo ao fim, mesmo que, em alguns momentos, quase nada aconteça em tela. Lembra muito o estilo vigoroso de Sidney Lumet na direção.

Da mesma forma, os personagens são muito bem apresentados, e, ao longo da história, nenhum comete erros grotescos (os famigerados "furos de roteiro"), que só servem para produções medíocres terem momentos de tensão. Aqui, não. A Dra. Louise, dentro das suas limitações, toma as atitudes certas nos momentos certos, além dela ser, de fato, a pessoa mais qualificada para desenvolver esse tipo de trabalho, e o roteiro deixa isso bem explícito. Muitas das deduções da personagem, por sinal, não são esmiuçadamente explicadas, e isso é bom, pois, não deixa a produção com aquele excesso de didatismo que, por vezes, atrapalha muitos dos filmes de Nolan, por exemplo.




Mesmo dominando boa parte do filme, Louise não é a única personagem que merece menção. O matemático Ian Donnelly, que a acompanha em boa parte dessa jornada, é um sujeito sisudo, mas, que demonstra grande habilidade científica útil à questão da decodificação da linguagem dos inusitados visitantes. Um personagem, inclusive, que poderia, muito bem, descambar para alguém irritantemente arrogante (algo que, felizmente, não acontece). E, completando o trio de protagonistas, temos o Cel. Weber, que mesmo tendo que obedecer a diversos protocolos militares, mostra-se flexível em alguns momentos, facilitando o trabalho de Louise e Ian.

Além de personagens não necessariamente carismáticos, mas, bem colocados na trama, o roteiro tem como um de seus trunfos a crítica à falta de comunicação entre as pessoas, que tanto pode ser entre vizinhos, como entre nações inteiras, aonde um simples erro de interpretação de uma mensagem pode causar conflitos dos mais violentos. Acertadamente, esses momentos de incerteza e de conflitos devido às dúvidas quanto às intenções dos "aliens" são mostrados de maneira bem documental, com manchetes em noticiários e câmeras amadoras de populares que se encontram no "olho do furacão". E, nenhuma dessas sequências é gratuita, todas contribuindo muito bem para o desenrolar da história.




Em termos de atuações, mesmo que se elogie o trabalho de Jeremy Renner e Forest Whitaker, "A Chegada", indiscutivelmente, pertence a Amy Adams. Ela compõe a sua Dra. Louise com uma delicadeza tão grande, que não só temos a impressão de que a personagem existe na vida real, como ela nos passa um sentimento muito perceptível de cumplicidade, como se estivéssemos diante de uma amiga de longa data. Uma interpretação muito digna. Já, em termos de produção, o filme é modesto, e mesmo assim, possui uns efeitos visuais de encher os olhos, algo mais ligado à forma como a narrativa é conduzida, bem diferente de colocar toneladas e toneladas de efeitos especiais vazios e sem sentido.

No frigir dos ovos, "A Chegada", mesmo com algumas poucas falhas pontuais aqui e acolá, é um filme impecável, da direção às atuações, do roteiro à edição. E, como toda boa ficção científica não se prende a uma ação descerebrada, nem a momentos de tensão sem nenhum propósito. Faz críticas muito importantes para o momento em que vivemos (ou, alguém ainda tem dúvidas de que precisamos nos comunicar melhor?), além de mostrar uma enredo visualmente e intrinsecamente muito bonito. As questões sobre o tempo e as escolhas que fazemos ao longo da vida ficam a cargo do espectador absorvê-las. Não chega a ser imensamente intenso como um "2001" ou um "Solaris" da vida, mas, apesar disso, suscita ótimas reflexões, e, em tempos tão rasos, já é mais do que suficiente.


NOTA: 8,5/10


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